16/10/2012

Escravos eram trocados por pérolas


Bagamoyo, a 76 km de Dar es Salaam e 35 do Consolata Mission Centre, será uma cidade ou uma aldeia? Era uma cidade famosa. Ferida e decadente, hoje pouco mais é do que uma aldeia. A sua história é significativa. Situada no litoral do Oceano Índico, apenas a 42 km de Zamzibar, com a sua baía, tornou-se no século XVIII o centro comercial mais importante da África Oriental. Aqui aportavam os escravos provenientes do lago Tanganyika e do lago Vitória para serem trocados por pérolas, algodão e outros produtos. 

Eram depois embarcados para Zanzibar e vendidos nos seus mercados aos países árabes. Disso são conhecedores os missionários da Consolata que, chegando a Zanzibar em 1902 para prosseguirem rumo ao Quénia, resgataram dois meninos, a quem deram o nome de José e de Tiago. José chegou a padre. E que grande padre! Mais tarde tornou-se missionário da Consolata. Um grande missionário! 

Comércio dos escravos! Talvez que a própria palavra Bagamoyo tenha a raiz nesta triste realidade. «Bwaga moyo», teriam dito os escravos à sua chegada à costa. Quer dizer: «mata o teu coração». Esta sibilina expressão quereria significar: Afasta qualquer esperança de fuga. És mercadoria de troca, não vales nada. Agrilhoado de pés e mãos, caminhaste durante 1.200 km, esfaimado, sedento e doente. Agora vais atravessar o mar que para sempre te vai separar daquilo que tens de mais querido. Esquece a tua tribo, a tua família, a tua aldeia e a tua língua. Esquece-te de ti mesmo! 

Desta humanidade que feriu cerca de um milhão de pessoas é testemunha o museu junto da missão católica. Cepos, correntes, chicotes, fotos de escravos acorrentados pelo pescoço... são a memória de uma ignomínia passada. Mas não de todo. As escravaturas modernas não são menos opressoras nem menos desonrosas para a dignidade de cada pessoa. 

Bagamoyo é um cruzamento de história e dimensões. Constitui o anélito dos carregadores de caravanas que regressam das longas viagens. «Bwaga moyo» poderia também significar «tira o peso do teu coração». É uma expressão de alívio após uma viagem fatigada. Está presente num dos seus cânticos: «Sê feliz, minha alma, abandona as tuas preocupações. Logo chegarás ao lugar dos teus sonhos, a cidade das palmeiras, Bagamoyo. Estava longe e o meu coração gemia todas as vezes que pensava em ti, minha pérola, lugar de felicidade». 

Bagamoyo tem um rosto árabe: as pessoas, as casas, as portas embutidas, a velha fortaleza, lugar onde se esperavam os escravos antes de serem embarcados para Zanzibar. Ali esperavam em celas estreitas e sufocantes. Bagamoyo era o ponto de partida dos exploradores. Os mais famosos, Stanley e Livingstone, passaram por aqui. O seu féretro aí repousou durante uma noite.

Bagamoyo foi durante 10 anos a capital do então Tanganyika, colónia alemã. Restam algumas construções, decadentes; o correio, a alfândega, o depósito de armas, uma escola e um hospital construído por um filantropo indiano para acolher pessoas de qualquer raça e religião. Para aqueles tempos... é um humanismo estupendamente ecuménico! Bagamoyo é o berço da evangelização na Tanzânia e à volta dos grandes lagos. Aqui foram resgatados muitos escravos e foi constituído o «Freedom Village», respeitador das crenças dos seus cidadãos. Um empenho que se tornou estímulo para os movimentos antiesclavagistas. 

Da Bagamoyo missionária persiste um sugestivo cemitério. As campas indicam a idade dos missionários que aqui repousam: 27, 28, 29 anos. Algumas vão mais além. Mas morrer jovem, vítima da malária e outras doenças tropicais, era normal. São semente daquela fecundidade eclesial, crescida de modo extraordinário nos seus 130 anos de vida na Tanzânia e na zona dos grandes lagos. 

Bagamoyo. Um último detalhe. É a capital do artesanato na Tanzânia. Jovens artistas que narram o passado e imaginam o futuro. Que seja de liberdade e de beleza, e não desfigurado pela brutalidade das várias formas de escravatura.


Fátima Missionária

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