17/10/2012

Nova liberdade para viajar não é para todos os cubanos


Cubana mostra passaporte dela e do filho após saber das novas regras para viajar ao Exterior (Foto: AP Photo/Ramon Espinosa)A reação nas ruas de Cuba à decisão do governo de facilitar as viagens ao exterior foi de alegria e surpresa. Sempre que se ventilava essa medida, nada se concretizava. É inegável o benefício à população em decorrência da extinção da licença de saída, chamada em Cuba de “tarjeta blanca” e que custava cerca de US$ 150 (um valor exorbitante para o nível de renda médio do país). Isso abre caminho para os cubanos mais humildes poderem visitar parentes emigrados. Estes realmente terão passe livre; outros, nem tanto. A reforma migratória impõe barreiras àqueles cuja saída pode trazer problemas ao regime.
O decreto 306 do pacote migratório estabelece quatro grupos de cidadãos que necessitam de autorização prévia de seus superiores. São eles: quadros de direção e gerência em órgãos estatais; pessoas com curso superior que realizem “atividades vitais para o desenvolvimento econômico, social e científico-técnico do país”; técnicos de nível médio especializados em “atividades vitais”; e atletas de alto rendimento e seus treinadores. Se algum destes solicitar residência no exterior, podem ficar fora de Cuba no máximo cinco anos, desde que se dediquem a se aperfeiçoar em suas áreas. O recado aqui é claro: o governo não quer uma debandada de gente que tenha visibilidade externa e produza manchetes em jornais estrangeiros. Ao mesmo tempo, espera melhorar um pouco a relação com os cubanos comuns. “Me parece que a liberação das viagens é um movimento político antes das eleições americanas no caso de Obama perder e as coisas piorarem nas relações entre Havana e Washington com a vitória dos republicanos", afirma a jornalista americana Ann Louise Bardach, especialista em Cuba e autora do livro Sem Fidel (sem versão traduzida para o português).
O preâmbulo de outro decreto, de número 302, mostra a queixa obsessiva do governo cubano com a política dos Estados Unidos de dar abrigo aos exilados. O texto afirma que Washington “tem utilizado historicamente sua política migratória ante Cuba com fins de hostilidade, subversão e instabilidade”. Mais adiante, diz que os EUA realizam um “roubo de cérebros com objetivos políticos”. Isso, segundo o governo, o “obriga a estabelecer, juntamente com as medidas de flexibilização, determinadas regulações que limitem seus efeitos”.
O mesmo decreto 302, em seu artigo 25, dá a entender que os dissidentes políticos ou qualquer outro cubano visto como um estorvo ao governo tampouco terão trânsito fácil entre as autoridades imigratórias. Não sairão da ilha aqueles que não tenham autorização segundo as normas destinadas a preservar “a segurança e proteção da informação oficial”. A redação obscura pode dar margem a múltiplos entendimentos, mas os opositores ao regime entenderam que o recado é para eles. O artigo 25 diz ainda que haverá veto de saída “quando, por outras razões de interesse público, o determinem as autoridades responsáveis”. Não há nada no texto que explique o que seriam essas razões e quais autoridades as definiriam. A dissidente Yoani Sánchez, mais conhecida crítica do regime em âmbito internacional, afirma que vai testar a liberação de viagens assim que a lei entrar em vigor, em 14 de janeiro de 2013. Até hoje, segundo ela, foram 20 tentativas frustradas de ir ao exterior nos últimos cinco anos. É provável que ela confirme o que todo mundo suspeita: a reforma pode ser para todos; basta apenas não incomodar o regime.
Revista Época

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