
Mecenas é o patrocinador de um talento artístico. A palavra vem de Caio Mecenas, político romano que, no século I a.C., apoiou poetas como Horácio e Virgílio. Não há perspectiva real de retorno financeiro, pois nunca se sabe aonde pode chegar o talento e o reconhecimento de um artista. O mecenas age guiado por seu instinto e pelo prazer de fomentar a arte. Judith identificou o potencial de Bertoldi assim que o ouviu, em 2007, em São Paulo. “Na hora, pensei: ‘É um talentaço!’” Havia alguns meses, ela buscava, em pequenos concertos, jovens que pudesse apoiar. Realizada pessoal e financeiramente, perto de fazer 70 anos, Judith escolhera o mecenato para ocupar o vazio deixado por várias perdas. O pai morrera no ano anterior, assim como o cão de estimação. O filho único mudara-se para o exterior, levando o neto. Ao mesmo tempo, Judith terminou o doutorado em psicologia. “O que eu faria até a hora de morrer? Não me conformo em fazer tricô e jogar damas”, diz. “Queria me manter ativa e não sabia como.”
Judith encontrou a resposta na música, uma paixão de infância abandonada por décadas. “Filha minha não será dançarina de cabaré”, ela ouviu da mãe, quando quis ser bailarina. “Menina fina tocava piano e aprendia várias línguas”, afirma. Judith aprendeu piano e tornou-se tradutora profissional. Era, de fato, uma menina fina. Seus pais haviam fugido da Hungria com ela, após a Segunda Guerra Mundial, e enriqueceram no Brasil. “Fui muito privilegiada”, diz. “Achei que deveria devolver o que recebi.”
Quando conheceu Judith, aos 19 anos, Bertoldi queria estudar no exterior. Ele aprendeu piano sozinho, com 12 anos. Aos 15, deixou a família, em Garça, no interior de São Paulo, para estudar na capital. “Queria aprender mais”, afirma. Judith lhe disse: “Vá ao festival de Campos do Jordão e ganhe a bolsa oferecida no concurso Eleazar de Carvalho. Tenho contatos na Hungria, posso conseguir uma audição”. Bertoldi venceu, e Judith agendou sua avaliação na centenária escola de Budapeste. “O professor ficou encantado, a ponto de aceitar a inscrição fora do prazo”, diz. Além de pagar os estudos quando a bolsa de um ano expirou – cada semestre custa e 6 mil –, Judith comprou para Bertoldi um apartamento e um piano de cauda. Formado em julho, ele quer seguir carreira no exterior. “Agora, é com ele”, afirma ela.
O fruto do trabalho de Judith é reconhecido por referências da música clássica. “Bertoldi é mesmo um grande talento”, diz o professor Gilberto Tinetti, curador da Fundação Maria Luísa e Oscar Americano. “Judith é um dos três ou quatro mecenas que conheço no Brasil. É um trabalho raro. Sempre foi.”
Bertoldi é, nas palavras de Judith, o “afilhado-mor”. Há outros, como o tenor Emanoel Velozo e os pianistas Leandro Roverso, Daniel Gonçalves e Ronaldo Rolim. Todos contam com apoio incondicional e hospedagem. “É a casa da mãe joana”, diz. “Aqui, os músicos têm abrigo.” Quando estão no exterior, os pupilos são lembrados em cartazes de shows. “Ronaldo faz tudo sozinho, Thiago vive nas nuvens, e Daniel é uma mistura dos dois”, afirma Judith. O brilho nos olhos dela é de gratidão, como se ela devesse a cada músico que ajudou. “Quando eles crescem, vai junto a carreira que não fiz”, diz Judith. “É uma troca. Tenho experiência, conhecimento e dinheiro. Eles têm juventude e talento”.
Revista Época
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