03/11/2012

Sentei-me na cadeira do governador




Quando era secretário de Estado, sempre que estava em Fortaleza, domingo pela manhã, costumava ir ao meu gabinete, no Palácio da Abolição, próximo ao do governador Gonzaga Mota.
...Continuar lendo
Sentei-me na cadeira do governador

 

Quando era secretário de Estado, sempre que estava em Fortaleza, domingo pela manhã, costumava ir ao meu gabinete, no Palácio da Abolição, próximo ao do governador Gonzaga Mota.
Quantas vezes vi coisas que só acontecem nesses dias de folga, quando o povo e as autoridades repousam, sem dar  conta de que lá fora, o mundo continua girando…
Sempre me despertou muita curiosidade saber por que os homens fazem  tanta questão de ir ou permanecer no poder (essa concordância aí não está certa, mas deixa isso pra lá). Por isso, de vez em quando, aproveitando aquela paz que envolvia o Abolição, ia aos andares superiores e ficava vagando pelos corredores, atento aos menores detalhes. Única área que nunca andei foi a Casa Civil.
Percorri, uma vez, me lembro,  o salão onde se reuniam os secretários, o local onde eram servidas as refeições aos convidados especiais sempre que havia almoço programado pela Secretaria de Comunicação ou pela Casa Civil.
Ficava ali naqueles corredores, meio capiongo, em mangas de camisas, sem esperar que ninguém me incomodasse, porque a um secretário de estado não se iria incomodar assim, nem mais nem menos.
De tanto fazer aquelas visitas, resolvi ver como era, sozinho, no silêncio de uma manhã de domingo, o gabinete do governador. Empurrei a porta  (sempre aberta) do pequeno gabinete em que ficava meu querido amigo Vlademir Spineli,  secretário particular de S. Excia., me aproximei da sala ampla onde ficava o amplo gabinete do governador. Que lembranças trago daquela sala! Jornalistas e fotógrafos entrando e saindo, políticos esperando nas cadeiras, o oficial  de gabinete sempre ali na porta, nunca barrando ninguém.
Entrava quem queria e saia todo mundo, satisfeito por ter falado com o governador!  Coitado do Gonzaga, não tinha tempo pra nada.  Pois bem. Numa dessas manhãs de domingo, resolvi sentar na cadeira do governador, procurando entender por que as pessoas queriam tanto chegar lá. Sentei. Sentei e fiquei alguns minutos naquela cadeira, assento de palhinha, encosto de madeira, os dois braços de lados.
Uma cadeira comum, verifiquei; nunca tinha prestado atenção nisso: a cadeira do governador era uma cadeira comum. Tanta luta, Senhor, e aquela cadeira era igual às outras… Pensei no Aécio que não chegou lá e Manuelito Eduardo que tinha tanta vontade…
Lembrei-me então que era domingo e que o governador talvez viesse também ver suas coisas. Se isso acontecesse, talvez pensasse que o Ciro Saraiva estava ficando doido ou bisbilhotando seu gabinete. O governador não veio, mas em seu lugar, o Senhor que era uma presença constante naquele local – onde não se comprava votos nem se dividia riqueza – tratou de me tirar dali e me devolver às minhas leituras e à minha família.
Fui pra casa e fiquei pensando  como Gonzaga Mota pôde passar tanto tempo naquela cadeira, sem fazer mal a ninguém: pelo contrário, ajudou a todos e foi por isso perdoado por Deus, em suas falhas e em seus pecados.
J. Ciro Saraiva – jornalista
(Artigo publicado no jornal O Estado)

Nenhum comentário :

Postar um comentário