31/12/2012

Chanel: A guardiã da tradição


CLÁSSICO Modelo desfila cardigã e tweed da Barrie. A marca escocesa de cashmere e tricô é a aquisição de ateliê mais recente da Chanel (Foto: divulgação)Num mundo cada vez mais voltado para os gigantes do fast fashion, que produzem peças em série a baixíssimo custo na Índia, na China e no Sudeste Asiático, será que ainda há espaço para a mão de obra de artesãos especializados, que podem levar de três a cinco dias para concluir um único bordado? A resposta está no investimento maciço da grife francesa Chanel para comprar os dez ateliês mais antigos e glamourosos da Europa. Eles provavelmente teriam fechado as portas, caso a Chanel não os tivesse preservado. A industrialização da moda restringe o espaço para esse tipo de produção, que demanda tempo, altíssima especialização e dinheiro. Desde 2002, por iniciativa do estilista Karl Lagerfeld, a Chanel vem comprando e juntando esses ateliês numa espécie de holding batizada de Paraffection. Fazem parte dela a Lesage, de bordados; a Desrues, de bijuterias e botões; a Lemarié, de plumas; a Guillet, de flores de tecido; a Michel, de acessórios de cabeça; a Massaro, de sapatos; a Gossens, de joias e ourivesaria; a Montex, de bordados em crochê; e a Causse, de luvas.
A última aquisição da Chanel, a Barrie Knitwear, tradicional marca escocesa de cashmere e tricô, é a mais perfeita tradução daquilo que a maison francesa deseja preservar. Fundada no início do século passado na cidade de Hawick, na Escócia, a Barrie estava ameaçada de fechar as portas desde agosto, assolada pelos problemas financeiros e administrativos do grupo Dawson International, seu então controlador. O caso gerou comoção no Reino Unido. Sindicatos e governo tentavam achar uma solução para evitar que 176 artesãos fossem postos na rua – até que a Chanel anunciou a compra em outubro. Ao apostar na alta qualificação da mão de obra, a Chanel mostra que é possível conservar a aura de exclusividade e glamour que ainda persevera nos centros de produção históricos da Europa. “A compra dos ateliês é uma questão de sobrevivência de nosso ofício. Sem eles, muitas técnicas seriam perdidas, e isso seria um dano terrível para a moda”, disse Lagerfeld a ÉPOCA. “Ainda acredito que há certas coisas em que uma máquina jamais substituirá o talento humano.” É essa crença na fusão do industrial e do artesanal que vem mantendo a Chanel no panteão da excelência e na bilionária liderança do mercado de luxo. “Por essa aquisição, reafirmamos nosso compromisso com a expertise e o artesanato tradicionais e nosso propósito de salvar o futuro e apoiar o desenvolvimento da Barrie”, diz Bruno Pavlovsky, presidente da Chanel. A Barrie continuará a fornecer seus produtos para outras grifes, mas a prioridade de produção será definida por Lagerfeld.
a mensagem chanel 762 (Foto: reprodução Revista Época)
No começo de dezembro, a Chanel apresentou em Edimburgo, capital da Escócia, um desfile de sua coleção Métiers d’Art (Ofícios da Arte, em tradução livre), em que apresenta, todos os anos, roupas confeccionadas a partir da mais alta perícia desses ateliês. As peças são temáticas e homenageiam lugares que tenham feito parte da trajetória da fundadora, Gabrielle Chanel, ou a tenham inspirado. Foram os casos de Rússia, Inglaterra, Turquia, Índia e, agora, Escócia. Chanel conheceu o país nos anos 1920, quando teve um relacionamento amoroso com o duque de Westminster, então o homem mais rico da Inglaterra. Foi frequentando suas propriedades na região campestre de Sutherland e observando o amante que Chanel descobriu o tweed, as calças largas e os cardigãs do guarda-roupa masculino e os importou para o feminino. Nos anos 1950, esses elementos passaram a ser quase sinônimo do estilo revolucionário de Chanel. No desfile de Edimburgo, Lagerfeld e seus ateliês deram novo fôlego a esses ícones. As modelos desfilaram cerca de 100 peças no castelo de Linlithgow, uma das antigas residências da dinastia Stuart. Debaixo de neve severa e compensada por litros de uísque 16 anos nacional, a plateia assistiu ao espetáculo que terminou com um jantar sob tendas renascentistas, orquestra de gaitas de fole e show da banda Jake Bugg. Na passarela, havia atualizações dos padrões de xadrez dos kilts, roupas de caça com plumas de faisão, conjuntos inteiros de tricô e uma impressionante sessão dedicada às rainhas Mary Stuart e Elizabeth I, cujos figurinos foram recriados pela Chanel e adaptados ao século XXI. A coleção escocesa deverá chegar ao Brasil em agosto, ainda a tempo de pegar o final do inverno brasileiro.
DETALHES ARTESANAIS À esquerda, homenagem a Elizabeth I em roupas com ar de figurinos. À direita, a modelo escocesa Stella Tennant e o estilista Karl Lagerfeld no desfile em Edimburgo. A Chanel apresentou o melhor de seus ateliês (Foto: divulgação)

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