Manfredo Araújo de Oliveira
Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital
Adital
"Vivemos num mundo em que epistemologicamente se tem cada vez menos certezas"
É comum na passagem de um ano a outro que as pessoas se perguntem onde estamos, para onde vamos no novo ano. O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos tem ajudado em seus escritos e conferências nessa tarefa apontando para as sete grandes ameaças do mundo de hoje:
1) A desconsolidação da democracia: esvazia-se a democracia. Votamos no que é menos importante na medida em que as grandes decisões não passam mais pelo jogo democrático. O sonho de uma democracia social está desaparecendo e conquistas que pareciam irreversíveis mostram-se agora inteiramente vulneráveis: direitos sociais são sistematicamente eliminados. Parece que só resta a "praça” como o único espaço público não colonizado pelas instituições vigentes. O que se reivindica é simplesmente a "democracia real” uma vez que o ideal democrático que impregna nossas sociedades não foi efetivado. Isso exige novas formas de militância política;
2) A desorganização do Estado ou sua reorganização: O Estado de Bem-Estar dos cidadãos se transformou no Estado de Bem-Estar das empresas e de seus lucros. A grande mudança foi a do financiamento do Estado: passou-se dos impostos para o crédito. Fez-se uma guerra violenta à tributação. Nesse contexto entram, então, os bancos para emprestar crédito aos Estados agora incapazes de cumprir as exigências do Estado Social. Isso provoca o grande problema do endividamento que está destruindo a Europa sem guerra;
3) A destruição da natureza: essa é a fonte da grande crise que toca a humanidade, porque destrói as próprias fontes da vida. Esse processo tem muitas facetas. Uma delas é que a terra e a água se transformaram em bens absolutamente centrais. Daí a nova onda de concentração: há países e empresas, inclusive, brasileiras, comprando, por exemplo, na África enormes extensões de terra para estocar;
4) Desvalorização do trabalho: a afirmação básica é que na fase atual do capitalismo ele perdeu sua importância a partir da desmaterialização da produção através das ciências e das novas tecnologias. Na realidade estão renascendo formas de trabalho semelhantes ao trabalho escravo e a distinção entre trabalho pago e não pago desapareceu com o novo padrão tecnológico. Grande parte do novo trabalho é realizado em casa. Quem paga?
5) Mercantilização do conhecimento: as universidades têm que produzir o conhecimento que tem valor de mercado. Que lugar têm as humanidades nesse modelo? Cada vez mais decresce sua importância. Há aqui um novo tipo de tensão: vivemos num mundo em que epistemologicamente se tem cada vez menos certezas, mas a mercantilização exige certezas;
6)Criminalização do movimento social: hoje protestar contra políticas injustas pode ser crime o que tem marcado a vida de muitos líderes sociais;
7) Re-colonização das diferenças. A humanidade se tornou una pela planetarização da civilização técnico-científica. Isso nos levou a conhecermos hoje muito mais diversidade cultural, a vivermos em sociedades multiculturais, mas colocamos as diferenças numa hierarquia e discriminamos o que se afasta do padrão. Com tudo isso é o próprio destino da humanidade que se torna tarefa comum.
[Fonte: O Povo, Fortaleza, CE, 6 janeiro 2013].
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