O mural Ash color mountains (2011), do pintor japonês Makoto Aida, reproduzido abaixo, lembra um cartão-postal do Monte Fuji, majestoso e cercado por um espesso nevoeiro. Vista com mais atenção, a imagem é completamente diferente. As montanhas retratadas são, na verdade, pilhas de corpos de executivos. A sensação instantânea é de ironia e desconforto, características de Aida, descrito pela imprensa internacional como “enfant terrible da arte japonesa” e, por parte do público japonês, como “misantropo”, “pervertido” e até mesmo “insano”. Agora, aos 47 anos, desafiando o bom gosto de seus compatriotas, mais de 100 obras de Aida serão expostas no Museu Mori, em Tóquio, até 31 de março. Expor nesse museu, que reúne a mais importante coleção de arte moderna japonesa, equivale ao reconhecimento oficial como grande talento. “Não me ofendo com as críticas que fazem ao meu trabalho”, disse Aida a ÉPOCA. “Não tento me adaptar ao gosto do mercado.”
Aida é conhecido por abusar de cenas eróticas, mórbidas e apocalípticas. A maioria de seus quadros critica aspectos da sociedade japonesa moderna. “Espero que ela se liberte de sua rigidez algum dia”, diz ele. Entre seus maiores alvos está a obsessão dos homens japoneses por mulheres jovens. “As meninas adolescentes são figuras constantes em suas obras”, afirma Michiko Okano, professora de história da arte da Ásia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para os japoneses, diz ela, a vida adulta é repleta de responsabilidades, e as adolescentes encarnam a nostalgia por um período de vida em que eles tinham mais liberdade. O próprio Aida diz que usa as garotas em sua obra como uma denúncia sobre o crescimento do machismo no país. O quadro Harakiri school girls (2002) é o maior exemplo. Nele, garotas sorriem e dão piscadelas, enquanto enfiam espadas no próprio estômago. Conhecido como seppuku ou harakiri, esse tipo de suicídio é considerado uma prerrogativa masculina.
Uma das primeiras exposições internacionais de Aida aconteceu na 25a Bienal de São Paulo, em 2002. Em 2003, expôs no Museu de Arte Americana Whitney, em Nova York. A exposição continha obras de artistas não americanos relacionadas aos Estados Unidos. O quadro que o representou foi Picture of an air raid on New York city (War picture returns), de 1996. A pintura mostra um grupo de caças japoneses da Segunda Guerra Mundial bombardeando os prédios em Manhattan. “Apesar de sua intenção ter sido provavelmente outra, o quadro é uma representação gráfica de nossos piores pesadelos”, afirmou o New York Times, em alusão aos ataques de 11 de setembro.
Aida nasceu em Niigata, cidade duramente bombardeada pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Cresceu ouvindo do pai, sociólogo, como a cidade fora destruída. “Quando estava na escola, eu era antiamericano”, disse a ÉPOCA, “mas esse sentimento se tornou mais complexo. Agora é difícil me descrever assim. Após a guerra, os Estados Unidos passaram a ter uma influência tão vasta na sociedade japonesa que é difícil ignorá-la.” A atitude polêmica de Aida e suas imagens desagradáveis dificultam sua inserção no grande mercado internacional de arte. Ele diz estar ciente disso: “Não penso em me encaixar no mercado. Meus novos trabalhos são mais eróticos e grotescos, mas percebo que estou me tornando mais moderado à medida que envelheço”.
Revista Época
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