17/02/2013

Para o padre Helder Salvador, o novo papa deverá ser um homem antenado com seu tempo


"A renúncia é o legado do papa Bento XVI. E vai marcar uma nova fase da Igreja Católica", diz Helder Salvador

A atitude é vista como um gesto positivo que moderniza e desmistifica o papado ao mudar a relação com o poder, que passa a ser visto como um serviço, além do exemplo do desapego


Na última segunda-feira o mundo foi surpreendido com a decisão de Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI, de renunciar no próximo dia 28. Aos 85 anos ele alegou que suas forças não são mais adequadas ao exercício do cargo. Mas há quem afirme que por trás da decisão existem outros motivos. O jornalista  italiano Gianluigi Nuzzi, um dos responsáveis por revelar os documentos secretos da Santa Sé vazados pelo mordomo do papa, afirma que Bento perdeu poder e já não tinha forças para promover as reformas na cúpula da Igreja, envolvidas em intrigas e suspeitas de corrupção. Um cenário marcado ainda por outros temas, como os casos de pedofilia, homossexualidade, a perda de fiéis, a manutenção do celibato. Para muitos fiéis, a decisão foi vista como um ato de coragem e que pode ter um significado ainda maior, segundo o padre Helder Salvador, reitor do Seminário São João Maria Vianney, da Diocese de Cachoeiro: vai ser o grande legado de seu pontificado. “Ele modernizou e desmistificou o papado ao mudar a relação com o poder”, diz o padre que não tem dúvidas de que esta atitude marca uma nova fase da Igreja Católica.

A renúncia de Bento XVI foi uma surpresa?

Para todos, incluindo a Igreja. Hoje, após o anúncio, é possível identificar que ele já dava sinais, quando em uma entrevista concedida a um repórter alemão disse que quando o papa não se sentisse com forças necessárias para conduzir o ministério, deveria renunciar. É uma expressão de muita lucidez, que segue sua natureza objetiva.

É uma atitude que traz instabilidade para a Igreja?

Não. Foi um gesto moderno ao desmistificar o papado e abrir a possibilidade concreta da renúncia. Há 600 anos nenhum papa renunciava, o último foi Gregório XII. Depois disso, sempre entendemos o papado como vitalício. Ao renunciar, Bento XVI mostra ao mundo e à Igreja uma relação diferente com o poder, que é de serviço. Deixa claro que, quando já não estiver mais conseguindo servir, posso sair e me recolher para que outro assuma e continue o ministério. Antes disso, mesmo que a possibilidade de renúncia estivesse clara nas leis da Igreja, ninguém imaginava que, em termos práticos, alguém faria isso. Então, foi um gesto positivo.

Quais os desafios para a Igreja nos próximos anos.

Estamos passando por uma grande revolução de costumes e valores. O grande desafio nos tempos modernos é que a boa notícia, que é o Evangelho de Jesus Cristo, não se transforme em uma mercadoria, porque o Capitalismo transforma tudo em mercadoria.

E assuntos como celibato, sexualidade, minorias, corrupção, pedofilia, perda de fiéis...

Todas estas questões são temas pertinentes e que sempre vão estar na pauta da Igreja, mas uma  mudança de rumo não depende só da autoridade do papa. É uma mudança de mentalidade que precisa ser amadurecida, no seu conjunto. Agora, independentemente de qualquer linha, teologia ou divergência, o foco tem que ser um só: a boa nova de Jesus.

A Igreja Católica já foi acusada de ser lenta na tomada de decisões. Há até teorias de que a renúncia do papa teria sido influenciada pela dificuldades de se pôr em prática algumas decisões.

Há uma grande estrutura e alguns processos podem ser lentos, mas não é só isso. Muitas vezes é a complexidade dos fatos. Depois do acontecido, é fácil de dizer o que estava errado, mas às vezes é complicado julgar ao longo do acontecimento. A Igreja às vezes peca por excesso de prudência, mas acho que nunca passou pela cabeça do papa ou de outras autoridades que situações como os casos de pedofilia poderiam acontecer, razão pela qual a Igreja  não tinha se precavido. Mas esse foi um dos legados de Bento XVI. Diante dos casos de pedofilia, criou uma lei para a Igreja ser mais ágil e rigorosa, com uma atenção maior no ingresso  no seminário e suspensão imediata do ministério quando há denúncias, antes mesmo de os casos chegarem à justiça civil. A resposta da Igreja vem sendo de acordo com as situações que  vão acontecendo.

Há desafios diferentes para a Igreja na América Latina?

Na Europa o desafio é a secularização, algo que também já está chegando ao Brasil. Por secularização entendemos a falta de referência ao transcendente. E uma das bandeiras do Bento XVI foi a luta para não perder as raízes cristãs da Europa, onde há todo um movimento para apagar as raízes cristãs. Já há autores que chamam de secularização da secularização, a eliminação de qualquer forma de transcendência, com a presença de um imediatismo que está chegando ao Brasil e se faz cada vez mais presente.

Mesmo com este caldeirão de religiões que existe no Brasil?

A presença de outros grupos religiosos faz parte de um processo de busca de sentido, em que  as concepções tradicionais não conseguem dar resposta a esse universo tão plural, que passa por um processo de emergência da subjetividade. Um mundo onde já não é mais o outro que define o que quero, mas sou eu que digo o que quero. Isso também ocorre no âmbito religioso. Determino, escolho, com  grande autonomia, e os novos movimentos  de cunho espiritual apresentam como possibilidade de vivência dessa demanda espiritual. E as religiões tradicionais não conseguem responder com a mesma agilidade. Na América Latina e Brasil a resposta da Igreja tem que ser fiel ao Evangelho, mas ao mesmo tempo, tem que responder aos anseios do homem moderno, cada vez mais urbano e com necessidade de respostas mais ágeis. O próprio cardeal (dom Raymundo Damasceno) de Aparecida, em São Paulo, destacou, recentemente, que a Igreja precisa se modernizar e dar respostas para o homem moderno, mas sem perder o foco, sem se tornar uma mercadoria, sem se vender. E ela  tem que ser uma resposta desafiadora, para a emancipação do ser humano, porque uma religião que não emancipa o homem, não é uma religião.
Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Ricardo Medeiros - GZ
Futuro - Para o padre Helder Salvador, o novo papa deverá ser um homem antenado com seu tempo

Qual deve ser o perfil do novo papa para atender estas demandas?

Acredito que o perfil será o de um homem antenado a seu tempo, pela própria natureza do seu ministério, como vem sendo exercido nos últimos papados. Desde Pio XII o papado tem sido cada vez mais universal. Tenho lido diversos comentários e todos são unânimes em afirmar que, não importa de que país seja o papa, ele terá que ter um olhar para além da Europa, universal, mas não uniformizante. Um olhar onde conserva a unidade, apesar das diferenças. E de uma perspectiva moderna.

Vai ser a primeira vez que teremos um papa na ativa e outro “aposentado”.

Isso é novo e me parece que poderá se repetir várias vezes. A Igreja deverá encontrar uma fórmula para este tipo de situação, mas  vai depender também da postura do próprio Bento XVI, de como vai se comportar e mostrar a um mundo plural, como é o nosso, que é possível conviver com várias referências sem se perder a unidade. Podemos ter Pedro e Paulo, mas viver a comunhão.

Há teorias também de que a saída de Bento XVI pode ter sido motivada pelas disputas internas no Vaticano.

Não acredito. Mais do que uma disputa de poder, são visões diferentes em relação a encaminhamentos e políticas internas da Igreja, da relação Igreja-Estado, em relação à questão da moral, da família. Dentro da Igreja não temos uma única teologia, uma única filosofia. Temos uma pluralidade, uma diversidade. Se existem conflitos, muitas vezes saudáveis, sobre divisões teológicas ou filosóficas de aspectos importantes da vida da Igreja, talvez, numa leitura superficial, podem ser traduzidos como uma luta de poder. Mas na verdade parece mais uma divergência teológica e filosófica que conflitam, e que vão fazendo a própria Igreja emergir e crescer.

Poderiam ter influenciado a renúncia?

Não acredito. O perfil de Bento XVI é de um homem que quer fazer bem feito e quando percebe que já não tem a capacidade de fazer bem feito o que lhe compete – e ele sempre teve ciência da amplitude e da importância de seu ministério –, ele sai. Mostra uma consciência profunda e não apego. Não acredito que forças externas tenham interferido.

Qual o legado que Bento XVI deixa?

A renúncia é o legado de Bento XVI, pelo que ela significa. Ele modernizou e desmistificou o papado ao mudar a relação com o poder. O poder é serviço, não a mim, mas ao outro. Quando não dou mais conta, abro a possibilidade para que outro faça. Vejo muita humanidade e lucidez em sua atitude. A renúncia marca uma nova fase da Igreja e até a forma como foi feita, programada. Ele não está fugindo, não está desesperado. Quer que as coisas tenham um transcurso normal, um processo natural onde todos podem participar. Acredito, inclusive, que esta atitude não esteja desvinculada do seu ensinamento como papa nestes oito anos e nem de toda a sua concepção teológica.  Um olhar para a história mostra que  essa atitude seria possível de ser vista neste homem que foi Joseph Ratzinger.

Algum brasileiro tem chance de ser o escolhido?

Os cardeais brasileiros que poderão votar e serem votados no conclave que elegerá o sucessor de Bento são: dom Cláudio Hummes, de 78 anos, arcebispo-emérito de São Paulo; dom Geraldo Majella Agnelo, 79, arcebispo-emérito de Salvador; dom Odilo Scherer, 63, arcebispo de São Paulo; dom Raymundo Damasceno Assis, 76, arcebispo de Aparecida; e dom João Braz de Aviz, 64, arcebispo-emérito  de Brasília e prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano. Muitos falam que o arcebispo do Rio de Janeiro dom Orani João Tempesta, de 62, também deverá ser nomeado cardeal e assim poderá votar e ser votado. Dizer que alguém em especial tem chance é difícil.

Experiência obtida em cursos em Roma
Aos 46 anos o padre Helder Salvador é reitor do Seminário São João Maria Vianney, que pertence a Diocese de Cachoeiro, Sul do Estado. Nascido em Vargem Alta, há 22 anos é padre, 18 dos quais dedicado ao seminário onde se formou. Atua ainda como professor de Antropologia Filosófica e Metafísica da Faculdade Católica Salesiana, e é professor de Antropologia Teológica no Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória. Fez mestrado em Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana e estudou direito Canônico na Pontifícia Universade de São Tomás de Aquino. Nos dois anos que viveu em Roma, Itália, teve a oportunidade de concelebrar com o falecido papa João Paulo II.

Fonte: A Gazeta
Vilmara Fernandes - vfernandes@redegazeta.com.br | Leonel Ximenes - lximenes@redegazeta.com.br

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