15/03/2013

Memórias sobre a Cadeia Pública de Fortaleza


Publicação, que será lançada na noite de hoje, é repleta de histórias do prédio que hoje abriga equipamento turístico
Prédio da antiga cadeia pública, no Centro, abriga hoje a Emcetur foto: Lucas de Menezes
Temos poucos trabalhos sobre a história das prisões no Brasil, e este livro é um documento raro. Produzido por um oficial da polícia, diretor de prisão, nos conta um pouco sobre uma história de profundas frustrações: a história da reforma penal. É dessa maneira que o historiador Marcos Luiz Bretas, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) faz referência ao livro “No tempo dos látegos e dos grilhões: memória sobre a Cadeia Pública de Fortaleza 1931”, escrito pelo seu então diretor, Porfírio de Lima Filho, cujo lançamento acontece nesta sexta, às 18h, nos jardins do Theatro José de Alencar. A história prisional, direitos humanos, conflitos e violência urbana constituem alguns objetos de estudo do pesquisador Marcos Bretas, que assina o prefácio da obra, juntamente com o professor Francisco Linhares Fonteles Neto, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Trata-se de obra de relevante valor histórico, principalmente pela escassez de estudos acerca do tema no País, sendo reeditada por iniciativa do Arquivo Público, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult).
Nas 59 páginas do livro, dividido em duas partes, o autor demonstra o seu esforço em registrar não apenas memórias pessoais, expressas por sua passagem na direção da Cadeia Pública de Fortaleza, localizada no Centro Histórico da cidade, mas também contribuir para a construção da história do Estado, em especial, sobre um capítulo sobre o qual poucos querem se debruçar. Como esclarece o professor Marcos Bretas, são escassos os trabalhos sobre a história da prisões no Brasil, sendo louvável a iniciativa Porfírio de Lima Filho, demonstrando que o fazer histórico é uma construção cotidiana, podendo acontecer por acaso. De forma despretensiosa, teve o cuidado de registrar sua passagem à frente da Cadeia Pública do Ceará, no período de 1931-1941. A primeira parte do livro é denominada de “Fatos históricos”, e a segunda, “Perfis de criminosos”.
“No desejo de encontrar a data exata da fundação da Cadeia Pública de Fortaleza, tomamos a deliberação de revolver o arquivo ali existente”, assim começa a primeira parte dessas memórias, completando, mais adiante: “Não conseguimos o nosso objetivo, porque não encontramos até agora documentos anteriores a 1843”. Pela descrição do autor, havia cubículo medindo dois metros de comprimento e um de largura. “Era um verdadeiro túmulo. O ar que respiravam os infelizes que por ventura ali estiveram recolhidos, penetrava no cubículo por meio de um cano”. Na segunda parte, traça o perfil dos criminosos. “Focalizaremos, nesta parte, a psicologia de alguns criminosos recolhidos à Cadeia Pública de Fortaleza, apreciando-lhes as inclinações, as tendências, os propósitos e as condutas. O primeiro escolhido foi o preso José Colares que o descrevia como “frio, imperturbável e mata com a maior naturalidade...ainda não havia atingido a maioridade e já era chamada a prestar contas à Polícia”.
 
Para Marcos Bretas, “Porfírio se choca com o passado e acredita nas possibilidades do presente”, completando que, “nós com mais de setenta anos passados, sabemos que as prisões continuaram a ser muito ruins”. Nesse aspecto, é possível observar o esforço do autor em tentar dar a sua contribuição para a construção da memória prisional no Estado. Além de proporcionar uma visão comparativa entre aquele momento, meados do século XIX, e o período atual. Se as prisões abandonaram os açoites (látegos), os grilhões e as celas deixaram de ser cubículos, que mal davam para respirar, a superlotação e a falta de respeito aos presos ainda permanecem nos dias atuais.

De acordo com Marcos Bretas, “o esforço na luta pelos direitos humanos tem no mundo prisional um de seus maiores obstáculos, pois ali estão os reprovados da sociedade”. Assim, afirmar o preso senhor de direitos desperta reações ainda muito fortes na sociedade brasileira, argumenta. Na sua opinião, Porfírio, que acredita na melhoria das prisões, descreve criminosos irrecuperáveis (na opinião dele), habitantes de uma sociedade distinta, que devem ser mantidos encarcerados. “Essa separação entre os de dentro e os de fora faz da prisão uma fronteira social, último lugar no projeto de reformas”, pontua, completando que, recentemente, o Ministro da Justiça falou do “inferno” de nossas prisões. Mas o Estado tem sido incapaz de estabelecer uma agenda positiva de reformas para o mundo prisional, revela. Antes do lançamento, às 9h, o pesquisador profere a palestra: “História das prisões no Brasil: problemas e perspectivas”, no auditório do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Ceará (PMCE), na Avenida Aguanambi,2280.
O historiador e diretor do Arquivo Público do Ceará, Márcio Porto, assina a apresentação da reedição da obra, cuja primeira edição data de 1931, destaca que Porfírio de Lima Filho faz uma comparação com as prisões antes de 1930, com um recorte histórico entre o período da República Velha, representada pelas oligarquias. Depois, Getúlio Vargas assume ao poder, entrando em cena do Estado Novo. “Ele era apologista do Estado Novo”. Conta que as prisões deixam de usar os açoites e os grilhões, onde pessoas eram encarceradas em cubículos: “que mal dava para respirar”. Além de fazer uma análise da criminalidade de Fortaleza naquela época. “Acreditava em criminosos natos”, completa, destacando o caráter de resgate histórico do trabalho. Não era comum diretores registrarem memórias, o seu trabalho, a sua sensibilidade.
Como ressalta Márcio Porto, na apresentação do livro, pesquisadores e interessados pelo assunto, irão encontrar nessas memórias “um agente prisional preocupado em qualificar certo passado das prisões no Ceará. Passado de açoites e pesadas correntes, passadas para corpos que sofriam tanto quanto para a sociedade cearense do século XIX”. Na sua opinião, Porfírio apresenta-se como arauto da Revolução de 1930 e do Estado Novo, contrapondo-se às oligarquias derrotadas. O livro, que traz ainda anexos de documentos, que completam as memórias desse período histórico. Em sua apresentação, logo no início, Márcio Porto, faz referência ao filósofo francês Paul Ricoeur: “precisamos reabrir o passado e, assim, desvelar nele potencialidades não realizadas, frustradas ou mesmo massacradas. Nesse sentido, o passado nunca está fechado e revelá-lo incansavelmente é que o torna tradição viva”.

Mais informações
Lançamento do livro “No tempo dos látegos e dos grilhões”: memória sobre a Cadeia Pública de Fortaleza 1931”, de Porfírio de Lima Filho, hoje, às 18h, nos Jardins do Theatro José de Alencar

Iracema Sales
Repórter

Diário do Nordeste

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