04/04/2013

Lasar Segall, o herói do Modernismo

O artista lituano foi um precursor da Arte Moderna Brasileira. Ele é um dos destaques da mostra "Trajetórias"
Ter nascido na Lituânia não impediu Lasar Segall (1891 - 1957) de se firmar como um dos protagonistas da arte moderna no Brasil. Quatro importantes trabalhos de sua lavra, produzidos entre os anos 1910 e 1950, integram a mostra "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", em cartaz no Espaço Cultural Unifor.

Obras de Lasar Segall, na mostra "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz"

Da Europa, ele trouxe o talento e o apelo psicológico das figuras humanas que retratava. Suas obras são marcadas pelo traço firme, pelas pinceladas carregadas por cores escuras e sombrias, deixando entrever a carga psicológica herdada do expressionismo alemão. Esta foi uma de suas principais referências, mais tarde acompanhada da luz e das cores da terra que escolheu como pátria. Segall transitou pela pintura, escultura, gravura e arte cenográfica.

Em cartaz

Na exposição "Trajetórias", é possível apreciar as transformações de sua arte, devido ao salto temporal que separa as obras incluídas na mostra: "Amigas", de 1913; "Cabeça de Sofia", 1935; "Mulher com blusa rosa", 1936"; e "Figura e choupana", 1954. Elas integram o núcleo "Modernismo". O artista veio ao Brasil, onde já viviam alguns de seus irmãos, em 1912. Aqui, realizou exposições em que exibia obras com elementos que, mais tarde, serviriam de base aos artistas modernos. Precursor do modernismo brasileiro, as obras servem como um fio condutor para o público apreciar as diversas escolas e estilos artísticos que compõem a exposição.

As obras expostas do artista revelam as influências de vários movimentos que marcaram as chamadas vanguardas europeias (fim do século XIX e começo do século XX), que serviram de referências ao modernismo mundo afora e também no Brasil. O óleo sobre tela "Amigas", de 1913, ano em que Lasar Segall visita o País pela primeira vez, denota bem essas referências, uma vez que a pintura apresenta traços que remetem ao cubismo de Picasso, ao mesmo tempo em que o terreno sombrio e as cores escuras apontam para o expressionismo alemão. Considerada uma obra emblemática daquele período de efervescência cultural, ao mesclar uma figura marcada por traços quase geométricos nas formas, mas que apresenta um apelo psicológico muito forte na expressão, denuncia o contexto sociocultural da época de sua realização.

Importância

O livro "Acadêmicos e Modernos - textos escolhidos III de Mário Pedrosa", organizado pela professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), Otília Arantes, assinala: "Lasar Segall foi o primeiro da grande geração que introduziu a pintura moderna no Brasil a partir de sua apresentação em São Paulo, em 1913". Reconhecendo que o artista deixou à cultura brasileira "uma obra sincera, densa, triste e sombria, mesmo quando os temas tratados não eram sombrios nem tristes". Apesar dessa característica melancólica, completa que, "sob muitos aspectos, nos trouxe mais do que uma pintura dita brasileira", avalia a pesquisadora. Segundo ela, ele nos deu um testemunho profundo de toda uma época do drama contemporâneo.

Em outras palavras, o artista foi responsável pela entrada do Brasil no modernismo, ao realizar há 100 anos, em março de 1913, sua primeira individual em São Paulo e Campinas. A data coincide com a primeira viagem de Lasar Segall ao País, ficando registrado na memória o exotismo de uma terra marcada pelo primitivismo de sua paisagem, além do sol e da luz. Na mostra, Segall apresentava as tendências das vanguardas europeias, ao mesmo tempo, recebia influências da arte "verde e amarela". Dos temas falando sobre guerras, emigração e outros dramas presentes em alguns movimentos artísticos das vanguardas europeias, o pintor que fez seus primeiros estudos na Lituânia, sua cidade natal, completando depois em Berlim e Dresden, passa a incorporar elementos da arte brasileira.

O verde, o amarelo, os caboclos e a favela carioca passam a compor os seus temas, deixando de lado a dramaticidade do sofrimento humano, uma das principais características do expressionismo alemão. É preciso lembrar que foi na Alemanha que o artista completou os seus estudos, daí as referências do expressionismo na sua obra. No entanto, vale esclarecer que as influências foram muitas na obra de Segall, passando pelo impressionismo, expressionismo e modernismo.

Depois da primeira viagem ao Brasil, em 1913, muda-se para o País apenas em 1923, sendo um dos primeiros artistas modernistas a expor no Brasil, influenciando e incorporando referências da arte produzida aqui.

Quando o artista instalou-se no Brasil, ele veio acompanhado de sua esposa alemã, Margarete Quack. A primeira escala do êxodo de Segall tinha sido no ano de 1906, em Berlim, saindo de uma Rússia conturbada no início do século XX. Na Alemanha, aproveita para investir na formação artística, estudando arte acadêmica de 1907 a 1910, indo em seguida para Dresden, na condição de "aluno-mestre", com ateliê próprio e maior liberdade de expressão, revela a obra de Fernando Pinheiro Filho. Foi neste período em Dresden que ele pintou "Amigas".

Os traços acadêmicos são observados nos primeiros trabalhos do artista, herança do século anterior. No entanto, o autor chama a atenção para as formas do impressionismo, do simbolismo europeu e de um modernismo ainda tímido, distante da primeira geração expressionista que já atuava naquele momento.

"Nos temas, são constantes as cenas populares e os motivos judaicos ligados às lembranças de Vilna", assinala o crítico de arte Fernando Antonio Pinheiro Filho, no livro "Lasar Segall: arte em sociedade". Mas logo o jovem artista sente necessidade de procurar novo mercado e público, o que acaba conseguindo na primeira temporada no Brasil, entre 1912 e 1913, contando com a ajuda dos irmãos que residiam aqui. "De fato, nas duas exposições realizadas em São Paulo e Campinas no período, Segall vendeu a maior parte dos trabalhos apresentados, de tendência realista e impressionista, além de ter complementado seus ganhos com aulas de desenho". Aqui, casa-se com Jenny Klabin, em 1925 e começa a integrar o universo artístico brasileiro, tendo contato tanto com mecenas, quanto com artistas, como por exemplo: Mario de Andrade, dedicando o desenho "Mário na rede".

No entre-guerras, a Europa era uma ambiente de crescente tensão. O Brasil, então, apresenta-se como a "terra prometida" aos olhos de Lasar Segall, que passa a utilizar elementos do imaginário brasileiro, sendo interpretados não apenas na arte desse pintor.

Temas brasileiros começam a figurar em sua obra - as cores sombrias que marcaram a fase expressionista tipicamente alemã, onde estudou arte, foram substituídas pelo verde e amarelo de um país tropical. Dessa maneira, a ambientação lúgubre presente em algumas de suas obras ganha um certo arejamento, numa demonstração de que Segall foi contaminado pela arte brasileira.

Exposição fica em cartaz até 8 de dezembro

Em cartaz desde 22 de março no Espaço Cultural Unifor, a exposição "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" reúne mais de 250 obras do acervo da instituição, composto por obras do século XX. Trata-se de um dos mais importantes do País e o maior mantido por uma universidade privada do Brasil.

A exposição contempla os principais nomes da história artística do País, abrangendo diferentes períodos, cenas locais, estilos e escolas. Da primeira geração do modernismo, foram incluídos Candido Portinari, Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Oswaldo Goeldi e Lasar Segall, dentre outros protagonistas da vanguarda. O acervo ainda acompanha o desenrolar da arte moderna brasileira, com obras de seu principais continuadores, a exemplo de Alfredo Volpi, Burle Marx e Samson Flexor.

"Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" inclui o Ceará em seu roteiro. Podem ser apreciados trabalhos de artistas como Raimundo Cela, Antonio Bandeira, Ademir Martins, Leonilson, Estrigas, Luiz Hermano, Heloisa Juaçaba e Francisco de Almeida.

Com curadoria do renomado crítico de arte e curador Paulo Herkenhoff, a mostra foi o primeiro evento da programação dos 40 anos da Universidade de Fortaleza. "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" proporciona uma verdadeira viagem pela história das artes plásticas no País.

Os trabalhos estão organizados em núcleos por movimentos ou temas, como o modernismo, abstracionismo, a arte concreta, neoconcretismo e arte contemporânea. Volpi é o único artista a ocupar, sozinho, com um núcleo inteiro na mostra.

A exposição segue em cartaz até 8 de dezembro, com entrada gratuita - seguindo os princípios de democratização do acesso à arte e sua relevância no processo educacional que orientam a atuação da Fundação Edson Queiroz.

Mais informações

Trajetórias - Arte brasileira na Coleção Fundação Edson Queiroz. Até 8 de dezembro, no Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz). Visitações de terça a sexta-feira, das 8h às 20h, sábados e domingos, das 10h às 18h. Gratuito. Estacionamento no local

IRACEMA SALESREPÓRTER 
Diário do Nordeste

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