23/05/2013

ESPAÇO CULTURAL UNIFOR: Andarilho das cores

Obras de Inimá de Paula são atração do núcleo "Cidades", na exposição da coleção Fundação Edson Queiroz

A arte de Inimá de Paula (1918 - 1999) é viva. Essa é a sensação que se tem ao contemplar os quadros do artista visual mineiro, em exposição na mostra "Trajetórias - Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", no Espaço Cultural Unifor.

Nascido na pequena cidade de Itanhomi, localizada no Vale do Aço mineiro, Inimá começou a carreira como autodidata. Em pouco tempo, sua arte ganhou projeção nacional. Uma pintura construída por traços cheios, representada por pinceladas fortes, num colorido inconfundível, quer nas criações figurativas, como as naturezas-mortas, marinhas e figuras humanas ou quando emerge pela arte não- -figurativa.

A carreira do jovem, que deixa o aconchego das montanhas das Gerais para realizar o seu projeto de vida, foi marcada por diversos estilos artísticos, como também por viagens. Inimá de Paula foi considerado como um andarilho das artes. Introspectivo, levou às suas criações um apelo psicológico, daí sua pintura ser comparada com a dos artistas fauves ou expressionistas, movimentos de vanguarda do século XX. O artista criou uma linguagem própria, tendo como uma de suas principais características a exaltação ao tropicalismo brasileiro.

Cores

Conhecido como "o artesão das cores" pela maestria com que dominava sua paleta, Inimá de Paula mostra sua visão de cidade com "Casario", de 1958, e "Paisagem", de 1952. As pinturas integram o vasto acervo exposto em "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz". Os dois trabalhos, em óleo sobre tela, compõem o núcleo "Cidades" da exposição, ao lado de outros nomes do modernismo brasileiro, a exemplo dos cariocas Alberto da Veiga Guignard, Alfredo Volpi, e o pernambucano Cícero Dias, representantes da primeira geração de modernistas brasileiros.

As duas telas de Inimá de Paula revelam uma cidade moderna. A linha de trem dá a ideia de movimento, ou seja, de uma cidade identificada com industrialização. Ambas são da década de 1950 quando o Brasil vivia a euforia desenvolvimentista. As obras carregam nas cores e referências ao fauvismo.

Cidades

Dos demais artistas que completam o núcleo da mostra, cada um retrata a cidade a sua maneira e de acordo com a época enfocada. Guignard (1896-1962) expressa sua visão com a obra "Paisagem de Ouro Preto, Igreja de Antônio Dias", concebida no ano de sua morte,1962. Remete ao período colonial, com suas ruas de pedra, mostrando a sinuosidade das ladeiras, os sobrados, fazendo alusão a uma cidade barroca, tendo a igreja em primeiro plano, numa época em que a vida social girava em torno das festas dos santos. A igreja era um ponto de encontro e de decisões, tanto políticas quanto na vida social. O pintor ítalo-brasileiro, Alfredo Volpi (1896-1988), um dos mestres da abstração brasileira, economiza nos traços e nas cores para conceber a sua cidade.

Enquanto, Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), artista que soube expressar como poucos as belezas da mistura cultural brasileira, imagina uma cidade em que a exuberância das árvores, das montanhas e do céu prevalecem. São as árvores que aparecem em primeiro plano, como o coqueiro que enche os olhos dos que contemplam a tela "Paisagem", de 1959. Cícero Dias (1907 - 2003), no trabalho "Moças na janela", da década de 1930, fala de uma cidade delimitada pelos muros, sobretudo no que diz respeito ao papel da mulher. O muro funcionava como limite entre o público e o privado. O artista exaltava os aspectos subjetivos dessa cidade expressa em árvores, muros, olhares femininos em minúsculas janelas, que completam as contradições do ambiente urbano.

Ceará

Difícil tentar localizar uma escola para o pintor, cuja arte nasce no contexto da cidade moderna, marcada pelas contradições impostas pela condição urbana. Pintor, desenhista, gravador e professor, Inimá de Paula deixa a cidade natal aos 20 anos para estudar em Juiz de Fora, seguindo dois anos depois para o Rio de Janeiro. Na década de 1940, aterrissa em Fortaleza onde conhece Antônio Bandeira. No bojo das vanguardas artísticas que sacudiam o mundo desde o fim do século XVIII, Inimá de Paula, Antônio Bandeira, o suíço Jean- Pierre Chabloz e Aldemir Martins fundam a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap). Para a crítica, trata-se de um reflexo da expansão do movimento modernista que se deslocava do eixo Rio/São Paulo. Na época, Fortaleza começava a viver um período de efervescência cultural.

O artista mineiro aproveita o ambiente para propor um estudo mais profissional sobre o modernismo ao grupo cearense. Eram raros os livros de arte naquela época no Estado. Os jovens trocaram ideias e realizavam leituras das biografias de artistas como Van Gogh, Gauguin e Cézanne. Assim, os jovens artistas eram informados sobre o que estava acontecendo no campo das artes, quando a França era o principal centro produtor. Em 1945, segue para o Rio de Janeiro onde participa da primeira coletiva de sua carreira, na Galeria Askanassy juntamente com Aldemir Martins, Antônio Bandeira e Chabloz.

Vale lembrar que Inimá de Paula e Antônio Bandeira vão estudar na França. Ambos migram da arte figurativa para a abstração numa época em que a arte brasileira lutava por uma identidade. Daí a dificuldade que os dois artistas enfrentaram para construir suas carreiras. No Rio de Janeiro realiza a primeira individual, contando com a ajuda de Candido Portinari, com quem trabalharia mais tarde, como auxiliar, na execução do painel Tiradentes, exposto atualmente no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Tropical

Conforme dados do Museu Inimá de Paula, localizado em Belo Horizonte, o seu estilo o consagrou como um dos mais autênticos e significativos intérpretes da sensibilidade tropical brasileira. No início, teve formação autodidata, mas a força de vontade fez com que se tornasse um dos principais nomes da pintura produzida no Brasil no período do pós-guerra, figurando entre grandes paisagistas modernos, ao lado de Guignard e Pancetti. Ainda adolescente dedicou-se ao retoque de fotografias até que, em 1938, residindo em Juiz de Fora, começou a desenhar junto ao núcleo de Antônio Parreiras.

A pintura de Inimá de Paula seguia uma linguagem impressionista, dando preferência às naturezas-mortas e paisagens urbanas, temas retomadas nos anos 1960, após deixar a fase não-figurativa. Em 1952, ganha o prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão de Arte Moderna, seguindo para Paris, onde estudou com André Lothe e Gino Severine. Retorna ao Brasil em 1955 e suas obras voltam-se para retratar paisagens urbanas, figuras compostas por planos, e que revelavam a influência do futurismo de Severini e do cubismo de Lhote. Atualmente, suas obras fazem parte do acervo de inúmeros museus brasileiros e conceituadas coleções brasileiras e estrangeiras.

A professora Icleia Borsa Cattani, no livro "Arte moderna no Brasil" fala sobre o assunto. Explica que "quando aqui se fala em modernidade fora do lugar, trata-se do lugar do Brasil, idealizado, programado, criado pelos artistas nos anos 1920. (...) Parte significativa dos artistas modernos que iniciaram suas trajetórias naquela década não focava sua obra em questões identitárias, mas na elaboração de linguagens modernas com características universais em seus temas e em suas formas". A professora lamenta: "Infelizmente, devido à ausência de um sistema de artes estruturado e da pouca aceitação da arte moderna, Bandeira, Inimá, Aldemir Martins e Chabloz radicaram-se no centro do País em meados da década de 1940".

Mais informações:
Exposição "Trajetórias - Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", no Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321). Aberta à visitação até 8 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, sábados e domingos, das 10h às 18h. Estacionamento gratuito no local. Contato: (85) 3477.3319.


Diário do Nordeste

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