Por Andrea Tornielli
“Minha pessoa não diz nada; é um irmão que fala com vocês, um irmão que se tornou padre pela vontade de nosso Senhor...”. Palavras do papa Roncalli, falecido exatamente há 50 anos, e que descrevem muito bem o estilo de seu quinto sucessor, Francisco, chamado “do fim do mundo”.
As comparações são prematuras, o novo papa ainda não cumpriu os 100 primeiros dias do Pontificado, mas Francisco acendeu uma grande onda de simpatia. A poucas semanas de sua eleição, as imagens com seu rosto estão em muitas casas. Tanto no Ângelus, como nas Audiências, há uma presença imponente dos fiéis. A Prefeitura da Casa Pontifícia recebe milhares e milhares de faxes e pedidos dos peregrinos que querem participar em seus encontros. Como o “papa bom”, Bergoglio também improvisa e prega simples e eficazmente.
Essa frase sobre sua "pessoa não diz nada", João XXIII pronunciou no famoso e imprevisto "discurso da lua”, após a abertura do Concílio Vaticano II, fruto da decisão mais importante do Papa de Bergamo. A versão daquele discurso pode ser encontrada no livro da edição San Paolo, “papa João XXIII”, dos dois Domenico Agasso (pai e filho).
Foi Loris Capovilla, o ex-secretário de Roncalli, quem abonou as comparações entre João e Francisco. Há alguns dias, ao recordar a serenidade, a simplicidade e a maneira (“inesquecíveis”) como o “Papa Bom” se dirigia às pessoas, disse: “Acontece o mesmo com o papa Francisco. Quando vai passando pela Praça de São Pedro, dá a impressão que gostaria de dar a mão a todos, gostaria de dedicar uma carícia a todos. É esta a humanidade de Deus que demonstra... São evidentes, no papa Francisco, a bondade e a humanidade de Deus, que se apresenta à gente comum”.
Quando João XXIII foi eleito, Primo Mazzolari disse: "Temos um papa de carne". "Não se trata de uma coisa banal - observou Capovilla -, porque Deus se fez carne. O papa Francisco o manifesta expressivamente”.
Durante os dias que seguiram à eleição do novo papa, a comparação Roncalli – Bergoglio surgiu em muitas frentes. O cardeal italiano Angelo Bagnasco disse que via em Francisco “o estilo, a simplicidade, a bondade, mas também a capacidade de governo de João XXIII”. O cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho “Cor Unum”, definiu Francisco como “uma figura boa”, como Roncalli. O cardeal chinês Joseph Zen explicou que “quando as pessoas conhecerem Francisco, o amarão como amaram João XXIII”. Uma previsão que está se tornando realidade. E, o que dizer da frase (“minha gente é pobre e eu sou um deles”) que pronunciou, o então cardeal Bergoglio, para explicar sua decisão de usar apenas um cômodo do arcebispado de Buenos Aires, no qual, muitas vezes, cozinhava sozinho? Palavras que Roncalli, orgulhoso de sua origem camponesa, teria feito suas sem titubear.
Também é possível recordar a novidade da visita aos presos, no Natal de 1958, quando João pronunciou um discurso improvisando, recordando um parente preso. Palavras que L’Osservatore Romano, então, censurou. Mais de meio século depois disto, com o sucessor argentino visitando – para celebrar sua primeira Quinta-Feira Santa – o instituto penitenciário para menores de Casal del Marmo, há aqueles que se irritam por este estilo direto , que às vezes esquece qualquer protocolo.
Contudo, é também a mensagem chave da misericórdia o que une os dois pontífices. João XXIII insistia na “medicina da misericórdia”; Francisco, desde os primeiros dias de seu Pontificado, disse: “A mensagem de Jesus é a misericórdia. Para mim, digo humildemente, é a mensagem mais forte do Senhor”.
Ambos apresentam uma imagem de Igreja que está próxima dos homens, uma amiga que não se concebe como “tribunal” do mundo. Ambos se mostram fortemente arraigados nessa fé simples e popular, que em Roncalli se nutria do catolicismo lombardo e em Bergoglio do catolicismo latino-americano. Ambos se mostram distanciados do intelectualismo daqueles que estão acostumados às discussões, aos projetos e às reformas de salão.
No dia 3 de setembro de 2000, ao beatificar Roncalli, o papa Wojtyla disse: “Na lembrança de todos, ficou a imagem do rosto sorridente do papa João e de seus braços abertos para abraçar o mundo inteiro. Quantas pessoas foram conquistadas pela simplicidade de seu coração, unida a uma ampla experiência de homens e coisas! Certamente, a lufada de novidade que trouxe não se referia à doutrina, mas, muito mais ao modo de expô-la. Seu modo de falar e atuar era novo, e era nova a simpatia com a qual se aproximava das pessoas comuns e dos poderosos da terra”. Ao escutar o que os peregrinos, que se reúnem na Praça de São Pedro, descrevem agora, parece que a experiência se repete.
Vatican Insider, 03-06-2013.
Dom Total
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