30/06/2013

O caso dos haitianos no Brasil: imigrantes ou refugiados?

Defesa de Mestrado aborda os Refugiados Ambientais à luz do Direito Ambiental Internacional



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Defesa de dissertação de Gésun Fernando Prestes (Redação Dom Total)
Por Ana Clara Furtado

Nos últimos anos, a conscientização ambiental tem ganhado amplitude cada vez maior. Afinal, vivemos num mundo preocupado com as consequências e reflexos de décadas de imprudência, negligência e destruição ao meio ambiente. O aquecimento global insiste, a todo o momento, em mostrar seu lado devastador. Provoca o derretimento de calotas polares, aumentando o nível do mar. Causa a diminuição dos sumidouros de gases do efeito estufa, as florestas, além de intensas tempestades tropicais, assolando cidades, casas e, por vezes, vidas. Diante deste fenômeno que causa descompassos climáticos, secas prolongadas ainda se alastram por um número sem fim de territórios, lembrando ao homem, a todo momento, que a água é sim um elemento precioso. E escasso. 

Os problemas ambientais são dos mais variados e causam, em muitas ocasiões, um forçado fluxo migratório de pessoas. Afinal, na busca por condições mínimas de sobrevivência e dignidade humana, nem sempre é possível permanecer no país de origem: torna-se imperioso buscar abrigo em outros territórios. 

É diante deste quadro que ganha destaque a discussão acerca dos refugiados ambientais, indivíduos que são deslocados forçadamente em virtude de mudanças climáticas de natureza catastrófica ou pela interferência do próprio ser humano. Até 2050 estima-se, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, ACNUR, que, em virtude de problemas ambientais, pelo menos 250 bilhões de pessoas tornar-se-ão refugiadas. 

Dados como este tornam-se preocupantes, principalmente quando recentes previsões da Organização das Nações Unidas, ONU, passam a apontar que, até 2025, dois terços da população mundial estará carente de recursos hídricos. 

Este cenário despertou a atenção do advogado e mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Dom Helder Câmara, Gésun Fernando Prestes. Sob a orientação do professor Sebastien Kiwonghi Bizawu, ele elaborou a dissertação “Refugiados Ambientais à luz do Direito Ambiental Internacional: caso dos haitianos imigrantes no Brasil”, defendida nesta sexta-feira (28), pela manhã, no auditório da Escola. Para compor a banca, como examinadores, foram convidados os professores Émilien Vilas Boas Reis e Bruno Wanderley Júnior. 

Aprovado com nota de 95 em sua defesa, Prestes conta que seu objetivo é provocar a comunidade internacional a se manifestar sobre um problema que, “num futuro próximo, poderá causar prejuízos ainda maiores”. Principalmente porque, de acordo com o mestrando, a tendência é de que haja um aumento mundial no número de refugiados ambientais, infelizmente ainda não acompanhado pela devida tutela jurídica.


Problema 

Prestes explica que não há uma normatização específica para os refugiados ambientais, que se encontram num limbo jurídico. Exemplo disso é o caso dos haitianos que buscaram e ainda buscam, após o terremoto que assolou o país, em janeiro de 2010, abrigo no Brasil. Anteriormente a catástrofe, de acordo com o mestrando, apenas 8% dos pedidos de refúgio no Brasil eram de pessoas do Haiti. Após o terremoto, este percentual elevou-se para 75%. 

Chegando ao Brasil, entretanto, os haitianos se defrontavam com privações de direitos humanos e tornavam-se vítimas de narcotráfico e de trabalho escravo. Sofriam com a falta de informação e de recursos. Na tentativa de conferir-lhes amparo jurídico, o governo brasileiro lhes concedeu visto humanitário, dando-lhes o direito de permanecer por 5 anos no território nacional, desde que presentes as condicionantes de trabalho e local fixo. 

Diante de tal atitude percebe-se que “o governo, então, entendeu que não se tratava de refugiados, eis que surge o grande problema desses indivíduos”, salientou Prestes. Isso porque, se assim tivessem sido reconhecidos, estariam protegidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, tendo direito, assim, a uma gama maior de benefícios. 

O mestrando conta que, segundo este estatuto, refugiado é o indivíduo perseguido por motivos de raça, etnia, religião, grupo social ou opinião política o qual, em função dessa perseguição, esteja fora de seu país de origem. Contudo, tal conceituação, nos dias de hoje, é insuficiente para tratar a questão, eis que “outros interesses e fatores estão influenciando na figura do refugiado, como no caso do refugiado ambiental”. 

“Daí a incompatibilidade: o conceito de refugiado ainda não está juridicamente legitimado. Primeiramente, porque eles não são perseguidos em seus países de origem por motivos de opinião política ou raça. Em segundo lugar porque, cessado o motivo que enseja o pedido de refúgio, o indivíduo perderia o status de refugiado. Então como adequá-los ao conceito de refugiados ambientais?”, questionou Prestes. 

O problema proposto na dissertação apresentada foi justamente identificar a proteção jurídica conferida a esses indivíduos e a quais proteções eles podem fazer jus. “Acreditamos que o refugiados ambientais poderiam ser adequados tanto como refugiados, no âmbito do Estatuto do Refugiado, ou que a eles fosse criado um estatuto próprio, específico para eles”, defendeu o mestrando, dizendo estar “satisfeitíssimo” com o resultado final de seu trabalho. 

Para o orientador e professor, Sebastien Kiwonghi Bizawu, a dissertação defendida possui grande relevância no cenário acadêmico, pois trata de um assunto o qual, hoje em dia, “muitas pessoas desejam conhecer”.


“Esse trabalho vai despertar a questão dos refugiados ambientais tanto no plano nacional como no plano internacional. Isso seria já um ponto de partida para a construção da natureza jurídica dos refugiados ambientais”, observou. 

Essa discussão, inclusive, segundo Kiwonghi, traz benefícios tanto ao governo do Haiti, quanto o do Brasil. “É preciso analisar onde situar os haitianos chegando aqui, se como refugiados ambientais ou se considerados meramente refugiados ou imigrantes, conforme a convenção das Nações Unidas de 1951. Nesse caso, dentro da política nacional, o Brasil pode forçar a ONU a definir a situação e, ao mesmo tempo, pressionar o governo haitiano para criar mecanismos de conter essa imigração, essa vinda maciça, porque isso provoca uma questão ambiental em nosso país quanto a escassez dos alimentos, de emprego”, salientou.
Redação Dom Total

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