04/06/2013

Um aquário à espera de peixes e turistas

Projeto do Aquário Marinho de Paranaguá, no Paraná. Obra já está concluída, mas aquário até hoje não foi inaugurado (Foto: Divulgação)O Aquário Marinho de Paranaguá tem tudo para ser um dos mais modernos do país. Criado com o propósito de impulsionar o turismo no litoral do Paraná e proporcionar educação ambiental a estudantes, o aquário tem oceanário, pinguinário, elevadores, sistema de substação de energia, central de pré-tratamento de efluentes, som ambiente, sistema de ar-condicionado e sistema de prevenção contra incêndio. Só não tem peixes. A obra, construída com recursos de uma multa ambiental em um processo questionado pelo Ministério Público, estava prevista para ser entregue em 2010, mas até hoje não foi inaugurada. A situação do aquário é um reflexo de como as regras e instituições no Brasil são contornadas por brechas e jeitinho. E, no caso de projetos ambientais, esses atalhos – que paradoxalmente não nos levam mais rápido ao objetivo final – podem trazer danos irreversíveis. 
A história do aquário começou no dia 15 de novembro de 2004. Era um dia de festa em Paranaguá, quando a população comemorava, além do feriado da Proclamação da República, o Dia de Nossa Senhora de Rocio, a padroeira do Estado. Por volta das 19 horas, a população de Paranaguá escutou um estrondo vindo do porto. Não eram fogos. O navio chileno Vicuña, que estava atracado, explodiu durante a operação de descarga de metanol. O álcool e o óleo combustível vazaram na baía, alimentando um enorme incêndio que durou horas. Os bombeiros tentaram conter o acidente, sem sucesso. Milhares de pessoas que participavam da festa religiosa foram evacuadas. Quatro tripulantes do navio morreram.
Segundo laudo técnico do Ibama e do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), publicado em maio de 2005, o dano ao ambiente foi severo. O metanol se misturou à água, contaminando a vida aquática, e foi queimado no incêndio, liberando gases tóxicos. Mas o grande problema, do ponto de vista ambiental, foi o vazamento de óleo. Como o navio estava abastecido, uma quantidade grande de combustível foi parar na baía. Cerca de 1.400 toneladas de óleo vazaram no acidente. Os trabalhos de limpeza conseguiram recuperar a maior parte do produto em forma de água oleosa, mas uma quantia considerável - 285 toneladas - nunca foi retirada do meio ambiente. O óleo se espalhou por 150 quilômetros da costa paranaense, contaminando manguezais, praias arenosas, costas rochosas, três unidades de conservação federais, outras três estaduais e uma reserva indígena. O poder público foi forçado a proibir a pesca, causando dano econômico considerável aos pescadores, que tiveram que viver de cestas-básicas e seguro por meses.
Após o acidente, as autoridades iniciaram um processo administrativo que concluiu que a responsabilidade era da empresa dona do navio, a chilena Sociedad Naviera Ultragas, e da empresa que controla o píer privado onde ocorreu o acidente, a Cattalini Terminais Marítimos. As duas foram multadas em R$ 50 milhões cada, o valor máximo definido na legislação para uma multa ambiental, além de pagar a limpeza do local. No ano seguinte, no entanto, o Tribunal Marítimo arquivou o caso e isentou a Cattalini de culpa no acidente, argumentando que a explosão se originou no navio. Começou aí uma disputa entre a Cattalini e as autoridades ambientais do Paraná para tentar reverter a multa.
A empresa recorreu administrativamente várias vezes entre 2006 e 2008. Em todas, as autoridades ambientais do Paraná recusaram o pedido e reafirmaram a aplicação da multa de R$ 50 milhões. Em fevereiro de 2008, o IAP chegou a argumentar que todas as possibilidades de recurso estavam esgotadas e que, portanto, a empresa deveria pagar a multa. Em setembro de 2008, no entanto, a empresa entrou com novo recurso, dessa vez pedindo a conversão da multa no investimento em uma obra de importância ambiental no Paraná. E é aí que aparece o aquário.
Como 50 virou 5
A construção do aquário era uma proposta antiga, formulada pela Secretaria de Estado de Obras Públicas com a Secretaria do Meio Ambiente. A ideia era fazer uma obra no litoral paranaense para atrair turistas não apenas na temporada de férias, mas durante o ano todo. O projeto estava orçado em R$ 5 milhões, mas o governo não tinha, na época, os recursos necessários para tocar a obra. A possibilidade de converter a multa da Cattalini caiu como uma luva na proposta. A conversão da multa é um procedimento comum na legislação brasileira. Pela lei atual, uma empresa pode trocar a multa ambiental por um investimento e, com isso, reduzir em até 40% o valor da multa. Na época, a porcentagem de redução permitida por lei era ainda maior: 90%. Dessa forma, os R$ 50 milhões viraram R$ 5 milhões.
Todo esse processo é questionado pelo Ministério Público Estadual do Paraná. Para o MP, a multa de R$ 50 milhões não poderia ter sido convertida. Em ação civil pública enviada à Justiça, o promotor Alexandre Gaio diz que essa regra da Lei de Crimes Ambientais só pode ser aplicada se as empresas envolvidas tivessem tomado as medidas necessárias para corrigir a degradação ambiental. Só que, segundo o laudo do Ibama, uma parte do óleo nunca foi resgatada.
O termo de compromisso entre a Cattalini e o Estado foi assinado assim mesmo, na época pelo então secretário de Meio Ambiente, e hoje deputado estadual, Rasca Rodrigues (PV). O MP vê, nesse termo, um indício de irregularidade. Isso porque, pouco mais de um ano do termo firmado, a Cattalini fez uma doação eleitoral para a campanha de Rasca Rodrigues. O ex-secretário recebeu R$ 20 mil em doação de campanha, registrada no site do TSE, de uma empresa que ele multou e que, anos depois, reduziu a multa em 90%. "Saltam aos olhos a prática de atos de improbidade administrativa, com altíssima lesividade ao patrimônio público", diz o MP, em ação na Justiça em que pede a suspensão dos direitos políticos do ex-secretário por oito anos.
À reportagem de ÉPOCA, o deputado disse que não foi notificado, já que a Justiça ainda não decidiu se acata ou não a denúncia do Ministério Público. Segundo ele, a decisão em converter a multa está dentro da legalidade, e o próprio Ibama também reduziu a punição. Ele diz que todos os procedimentos foram feitos dentro da legislação ambiental, com pareceres técnicos e jurídicos, e que a doação recebida da empresa está dentro da lei eleitoral.
Um aquário vazio
Em julho de 2009, no aniversário de 361 anos de Paranaguá, o governo e a prefeitura aproveitaram a solenidade para lançar oficialmente o projeto do aquário. Cerca de 30 mil pessoas, segundo a estimativa do governo, acompanharam o anúncio oficial do projeto, quando as autoridades prometeram inaugurar o aquário no primeiro trimestre de 2010. Como tudo no Brasil, a obra atrasou e encareceu. A Cattalini entregou formalmente o aquário no dia 25 de junho de 2012, com custo total de R$ 6,5 milhões.
A empresa cumpriu com sua parte do termo de ajustamento. Entregou um aquário dotado de todas as especificidades técnicas e infraestrutura necessária para o empreendimento. Um aquário marinho, no entanto, não é só estrutura - precisa dos peixes, de gestores, funcionários, e nada disso foi previsto pelo governo no termo. Sem dinheiro para transformar o prédio em uma empresa, o aquário continua vazio e fechado para a população até hoje.
O Estado, agora, busca recursos para colocar o aquário em funcionamento. Uma das especulações é que o governo pode usar uma indenização de outro acidente ambiental para isso. No ano passado, o Paraná assinou um termo de compromisso com a Petrobras por conta de um derramamento de petróleo no oleoduto Araucária-Paranaguá. Graças a esse acordo, a Petrobras vai pagar R$ 90 milhões em compensação ambiental ao Estado. O termo exige que os órgãos ambientais elaborem pré-projetos para liberar o dinheiro, e um dos pré-projetos sugere a destinação de R$ 8 milhões para o aquário. Mas é pouco provável que esse projeto siga em frente, já que ele precisa ser aprovado por governo, Justiça e Ministério Público.
A saída mais provável é que o governo busque uma parceria púbico-privada para conseguir operar o aquário. O IAP iniciou em abril um processo de licitação, e espera receber propostas de empresas especializadas no ramo. "O Estado não tem condições de operar o aquário. Por isso, seguimos o exemplo do Aquário de Santos e de outros no Brasil, e resolvemos colocar em licitação para que uma empresa do ramo possa operar essa atividade", disse o atual presidente do IAP, Luiz Tarcísio Mossato Pinto.
Mossato não teve participação na construção do aquário, já que houve mudança de gestão na secretaria, mas defende a operação. Segundo ele, é mais benéfico para o Estado transformar a multa na construção de algo produtivo, do que apenas destinar esses recursos para os cofres do Estado, onde serão diluídos. Ele prevê que o aquário ficará pronto, finalmente, em outubro deste ano. "Ficou um belo de um aquário. Acho que vai ser, para nós paranaenses, um motivo de orgulho".
Revista Época

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