Com 'All that is', James Salter deixa de ser o escritor dos escritores e torna-se o que sempre quis: o escritor dos leitores anônimos.
James Salter, 'o mais mágico dos estilistas de sua geração'.
Por Lev Chaim, de Amsterdã*
Após ler a respeito do escritor norte-americano James Salter e seu último romance, “All that is”, senti vontade de encontrá-lo pessoalmente. A interação cara a cara, além de ser uma fonte primária de energia, revitaliza a sensibilidade, a compaixão, além de fornecer referenciais de vida e de tempo. Os internautas radicais que me desculpem, mas nada se compara a um encontro olho a olho, onde o cheiro e tato também contam pontos.
Entre tudo o que li sobre este homem, o que mais me chamou a atenção foi a observação de que ele é“o escritor dos escritores”. Eu e Salter vemos isto como um elogio. Mas ele, também, tem uma segunda leitura - escritor sem fama, desconhecido do grande público. O que era verdade,até bem pouco tempo. Depois deste seu último romance,“All that is”, escrito 34 anos após o seu penúltimo livro -lançado em 1979 -seu “famoso” anonimato se esvaiu.
Em pouco meses o livro entrou para a lista dos mais vendidos,tanto nos Estados Unidos e na Europa, e recebeu críticas excelentes. O jornal holandês NRC Handelsblad o descreve assim: “Uma sensação literária. James Salter é, após a morte de John Updike, o mais mágico dos estilistas de sua geração. All that is é a evocação sensual, magistral, de uma época, em que as mulheres ousavam se apresentar como um desafio.”
Ao ser entrevistado em sua casa pelo escritor holandês Tommy Wieringa, Salter diz tudo sobre este último romance: - “Este livro, eu não poderia tê-lo escrito melhor”.
Em Londres, quando um jornalista lhe perguntou porque demorou 34 anos para escrever um novo romance,ele simplesmente respondeu: - “Não considero ter perdido aqueles anos ao escrever filmes, mas não é o que deveria ter feito. Eu gostaria de ter escrito mais literatura, sim. A maioria dos escritores consegue escrever três vezes mais livros que eu e ainda assim ter uma vida”.
O personagem do livro, Philip Bowman, após lutar na Segunda Guerra Mundial, volta aos Estados Unidos e se torna um editor de sucesso, que vive de festas em festas, de conquistas a conquistas, permeadas por intimidades superficiais. Na verdade, ele está a caça do amor. O primeira casamento dá errado, o segundo não acontece e um terceiro relacionamento ele se vê ligado a uma mulher que o trai. De repente, uma rota inesperada.
Na glória de seus oitenta e oito anos, James Salter parece ter finalmente conseguido as duas coisas que ele sempre alvejou: um amor ( seu último livro é dedicado à sua segunda esposa) e ser um escritor de fama entre leitores anônimos e não apenas o mestre entre os mestres. Alguns detalhes do personagem Philip Browmanbatem com a vida do próprio autor. James Salter, que queria ir para a Universidade de Standford, pressionado pelo pai, acaba entrando para a Academia militar de West Point, para depois torna-se piloto na guerra da Coréia, antes de seguir totalmente a carreira literária – macho e sensível.
Devido às resenhas deste seu último livro, pude “conhecê-lo”. A expectativa criada pelos resenhistas se concretizou. Isto já havia me ocorrido há anos, com outro autor. Graças à matéria da brilhante resenhista, Marília Pacheco Fioríllio, para a revista Veja, deparei-me com Elias Canetti. Hoje, ele já se tornou um “amigo”. Lembro-me como se fosse hoje: Auto-de-fé – na quase total falta de esperança, a humanidade marcha rumo ao precipício. Dali, já li outros de Canetti e sempre os mantenho à mão.
E a história se repete.Depois de All that is, já encontrei outra preciosidade de James Salter – o livro de memórias-, Dias Quentes (Burning Days).Ali, ele descreve magistralmente a sua passagem pela academia militar de elite dos Estados Unidos, West Point:
“Era uma escola impiedosa. Entrar significava ingressar no inferno, desde o primeiro dia. Demandas, muitas das quais incompreensíveis, choviam sobre você. Sempre em posição rigorosa de sentido, o cabelo raspado regularmente, o queixo recolhido e trêmulo, as ordens latidas por vozes invisíveis – nós estávamos sempre em pé ou correndo como insetos de um lugar para outro”.
Mais adiante, Salter ressalta a total falta de sentido de tudo aquilo, pelo menos para ele, que, mesmo assim, aguentou tudo com galhardia e, finalmente, tornou-se um piloto de guerra. Ali, o que mais lhe amargurava era a impossibilidade total de se estar só, alguma vez. Suas palavras:
"Era uma sensação de ser parte de uma jornada sem esperança, de um exílio que duraria anos. Não poder estar só, acima de tudo, era o que marcava aquela vida”.
Hoje, escritor consagrado, morando há anos com a segunda esposa à margem do rio Hudson, em Nova York, e feliz, diga-se de passagem, torna-se finalmente, aos 88 anos, o escritor dos escritores e dos leitores anônimos, como um dia alvejou. Apesar da idade avançada, seu vigor continua o mesmo. Aos bons resenhistas, os meus mais sinceros agradecimentos.
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve todas as terças-feiras para o Dom Total.
Dom Total
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