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Para o MDS, o enfrentamento ao trabalho infantil está passando por um reordenamento
Por Marina Dutra
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou esta semana que o número de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos obrigados a trabalhar caiu um terço de 2000 a 2013, passando de 246 milhões para 168 milhões em todo o mundo. Apesar da melhoria no panorama global, no Brasil ainda há 3,7 milhões de crianças envolvidas no trabalho infantil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados no ano passado.
Embora o problema atinja 8,6% das crianças brasileiras entre 5 e 17 anos, os recursos para ações do governo federal destinadas à erradicação do trabalho infantil diminuem a cada ano. Em 2013, dos R$ 412,5 milhões autorizados para a questão, apenas R$ 155,7 milhões foram pagos até 24 de setembro, incluindo os restos a pagar, o que equivale a 38% do total liberado.
Até 2011 existia um programa orçamentário específico para tratar da questão, denominado “Erradicação do Trabalho Infantil”. De 2001 a 2011, R$ 5,6 bilhões foram aplicados na iniciativa, dos R$ 6,2 bilhões autorizados. Por ano, uma média de R$ 509,5 milhões foram gastos, considerando os valores constantes (atualizados pelo IGP-DI, da FGV).
A partir de 2012, o programa deixou de existir e apenas duas ações orçamentárias, a “Proteção social para crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho infantil” e a “Concessão de bolsa para famílias com crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho” foram realocadas no programa “Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes”. No ano passado, R$ 287,8 milhões foram destinados às rubricas, dos R$ 307,9 milhões autorizados, valor inferior ao observado nos anos anteriores.
Para o ano que vem, a situação é ainda mais preocupante. O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2014 traz apenas a ação “Concessão de bolsa para famílias com crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho”. A iniciativa “Proteção social para crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho infantil”, historicamente com maior dotação orçamentária, foi excluída do projeto de lei.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pela iniciativa, o enfrentamento ao trabalho infantil está passando por um reordenamento, em consequência de diagnósticos realizados com base no Censo IBGE 2010, que revelaram alterações importantes na configuração dessa situação no país.
“Neste sentido, as crianças/adolescentes identificados em situação de trabalho permanecem sendo atendidos no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), já ofertados nos Centros de Referência da Assistência Social (ou em entidades referenciadas a essas unidades), enquanto os municípios que apresentam elevada incidência de trabalho infantil passarão a receber recursos para executar ações específicas de Vigilância Socioassistencial”.
Segundo a Pasta, os recursos da ação foram realocados nas ações “Serviços de proteção social básica” e “Serviços de proteção social especial de média complexidade” do programa orçamentário “Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)”.
O Ploa 2014, no entanto, só traz uma ação com referência direta à erradicação do trabalho infantil, a “Concessão de bolsa para famílias com crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho”, com orçamento de R$ 30 milhões para o próximo ano. O valor autorizado para 2013 foi o mesmo, mas apenas R$ 5,4 milhões haviam sido pagos até o dia 24, cerca de 18% do total.
A ação tem como objetivo assegurar às crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos de idade, identificadas em situação de trabalho (à exceção dos adolescentes na condição de aprendiz, dos 14 aos 16 anos, conforme a legislação vigente), o acesso à transferência de renda às suas famílias.
Os recursos desta ação são repassados diretamente às famílias com crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho não elegíveis aos critérios do Programa Bolsa Família, de modo a criar condições objetivas para a retirada imediata da situação de trabalho e contribuir para a interrupção das condições geradoras da situação do trabalho precoce.
O valor da transferência de renda previsto pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) varia de acordo com a renda familiar, a localidade em que mora a família (zona urbana ou rural) e o número de crianças ou adolescentes que compõem o arranjo familiar.
Proteção Social
A principal ação de erradicação do trabalho infantil do atual exercício é a “Proteção social para crianças e adolescentes identificadas em situação de trabalho infantil”. A iniciativa, que tem como objetivo incluir as crianças e adolescentes identificados em situação de trabalho em serviços de proteção social, só executou R$ 150,2 milhões dos R$ 382,5 milhões autorizados.
A ação também tem a intenção de promover o acesso e participação cidadã de crianças e adolescentes em ações socioeducativas e de convivência voltadas ao fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
Os serviços devem ser ofertados pela proteção social básica nos territórios de cobertura dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), assim como nos territórios de cobertura dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), sob coordenação da área responsável pela Proteção Social Especial, a quem cabe também a execução de ações de gestão, voltadas ao aperfeiçoamento da identificação das situações de trabalho infantil nos territórios.
Em entrevista ao Contas Abertas, o procurador do Ministério Público do Trabalho e coordenador da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, Rafael Dias Marques, afirmou que o primeiro ponto para mudança do quadro de trabalho infantil é a conscientização da sociedade em não consumir produtos e serviços prestados por crianças e adolescentes.
“Muitas vezes a cena sensibiliza, é apelativa, mas essa situação de apelo não pode conduzir a sociedade a comprar o produto da criança, porque a prejudica, cria a demanda por trabalho e permite que essa situação se perpetue. A sociedade tem que dizer não, toda vez que uma criança ou adolescente vier oferecer um produto ou serviço a ela”, afirma.
Ainda segundo o procurador, a conscientização da família é o primeiro passo para a solução do problema. “É necessário orientar a família que o trabalho nessa fase da vida prejudica a saúde, a formação educacional e o lazer da criança e do adolescente. Se após essa conscientização a família, uma vez assistida pelas políticas públicas, continuar permitindo que a situação de trabalho ocorra, pode e deve sofrer punições”, conclui.
Contas Abertas
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