18/09/2013

Mãos que tecem a fé


O ora et labora dos beneditinos lá na Antiguidade revolucionou um mundo em que a oração tinha prestígio e o trabalho ficava por conta dos escravos. Unir os dois na mesma dignidade, como fez o Mestre Jesus, pertence à lídima tradição cristã. 

A vida religiosa perseguiu, ao longo dos séculos, manter a tradição jesuana que os beneditinos e outras ordens contemplativas cultivaram. O capitalismo fissurou tal harmonia, ao aviltar, sob diversos aspectos, o trabalho braçal para remunerar altamente os proprietários e gestores do capital. Por isso se chama capitalismo.

A espiritualidade cristã bate repetidamente na tecla da dignidade de todo trabalho, independentemente da maior ou menor recompensa monetária. João Paulo II insistiu, na encíclica Laborem exercens, na dimensão subjetiva do trabalho, como realização do ser humano.

Religiosas idosas, mulheres acostumadas a vida de entrega nos diversos campos da vida ativa, agora limitada pelos anos, têm unido a vida de oração a trabalhos manuais adaptados à idade. Tal atividade vai além da terapia ocupacional. Elas vivenciam nível de integração humana e espiritual que a mera psicologia não alcança.

O avançar dos anos afeta diferenciadamente as pessoas. Algumas mergulham na noite da inconsciência e levam praticamente vida vegetativa, sobretudo quando vítimas de doenças degenerativas do cérebro. Nesse momento, vivem o mistério do silêncio cujo sentido nos escapa. Estão entregues à caridade dos que as cuidam. Outras pessoas, porém, conservam habilidades físicas, lucidez mental, mesmo que limitadas na mobilidade. 

Abrem-se para elas oportunidades de continuar a dedicação da vida pelas mãos e pela palavra. Algumas servem de conselheiras privilegiadas. Os anos lhes acumularam sabedoria que os livros e a competência profissional não oferecem de per si. Pelas conversas, conselhos, palavras acertadas iluminam mentes confusas e aliviam corações pesados. Outras, mais simples, menos de palavras, veem desfilar as horas com pequenos trabalhos manuais. Enquanto os dedos se movem no afazer, o coração se une na mística simples do amor. Irradiam no silêncio a transparência de Deus.

A sociedade moderna não sabe apreciar essas belezas. Embriagada na produtividade enlouquecida não entende de gratuidade. Essas vidas tingem o poente de maravilhas que nenhum nascente desenha. Quem sabe que, em algum fim de semana, visitas a essas pessoas nos tragam mais paz e descanso interior que a febre alucinada de kms de congestionamento em busca de praia superlotada. O respirar clima de paz e o contacto com transparência espiritual dessas religiosas repousam-nos o espírito e despertam-nos ressonâncias espirituais adormecidas. E ao retornar à casa, sentimo-nos renovados interiormente.

João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação. 

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