Nos últimos dois anos, o país pôde presenciar a ira de ambientalistas ao verem a legislação florestal brasileira sendo transformada em um conjunto de regras em benefício do setor do agronegócio e outros grandes empreendimentos. Agora, a mesma lógica está sendo aplicada aos povos indígenas que assistem indignados aos ataques sobre seus direitos.
A origem de ambos os conflitos é a mesma, a falsa alegação de que o agronegócio é responsável pela alimentação do povo brasileiro e que sofre com as restrições sobre a sua expansão devido à contestação de terras por indígenas e para a manutenção dos ecossistemas.
Esse argumento é facilmente desconstruído por números que atestam: a agricultura familiar é responsável por 77% dos postos de trabalho e por 70% da produção de alimentos no Brasil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Segundo dados do Sistema de Monitoramento do Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) de agosto, a grande maioria do desmatamento registrado na Amazônia ocorreu em áreas privadas (58%). O fatia do desmatamento registrado em Terras Indígenas é muito pequena (1%).
Mesmo assim, tanto a presidência da república quanto o congresso apoiam a continuidade de um modelo de desenvolvimento que tem acirrado os conflitos pela terra. Outros setores, como a bancada evangélica no Congresso Nacional, também atuam juntos aos ruralistas no desmonte às leis socioambientais.
Nesse cenário, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convocou durante toda esta semana a ‘Mobilização Nacional Indígena’, em defesa da Constituição Federal e dos direitos garantidos nela. A mobilização vai até o dia cinco de outubro, quando a Constituição completa 25 anos.
Nesta quarta-feira, a Esplanada dos Ministérios em Brasília foi ocupada por quase 1.500 indígenas, de mais de cem etnias. Ao tentarem entrar no Congresso, os indígenas foram recebidos pela polícia com spray de pimenta. Um indígena Tupiniquim foi ferido no braço com um corte bastante profundo. O clima ficou bastante tenso, informou o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O carro do porta-voz do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) – presidente da Comissão Mista (Câmara e Senado) do PLP 227 –, ficou parado no meio da manifestação, e indígenas envolveram o automóvel com papel higiênico, além de pendurarem notas e moedas no para-brisa.
Na manhã de quinta-feira, indígenas encenaram o enterro de ruralistas em frente ao Palácio do Planalto. Eles declaravam que o ritual é "para matar".
Após o ato Sônia Guajajara, liderança da APIB declarou que as manifestações apenas serão encerrradas quando houver o arquivamento de todas as medidas anti-indigenas propostas.
Ela também falou da violência com que as manifestações vêm sendo combatidas:
"Somos contra essa cultura de violência, desrespeito e truculência da polícia...quem precisa de segurança somos nós. Quem está declarando guerra são eles, não nós".
Revolta
As manifestações cada vez mais frequentes dos indígenas, além da total estagnação da demarcação de terras indígenas no governo Dilma, tratam de uma sucessão de projetos de leis (no âmbito do legislativo federal) e de medidas governamentais (no executivo) que afrontam diretamente os direitos garantidos pela Constituição de 1988.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 visa submeter ao congresso as demarcações de terras indígenas e a criação de Unidades de Conservação. Os índios exigem a manutenção do modelo atual, em que as demarcações são homologadas pelo governo federal. Diante dos protestos, a instalação da comissão especial criada para analisar a proposta acabou sendo suspensa pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, na terça-feira (1º).
O presidente em exercício da Câmara, André Vargas, declarou que vai trabalhar pelo arquivamento da proposta. “Todos aqui somos aliados e vamos tentar impedir que ela chegue ao Plenário”, disse Vargas.
Sônia Guajajara, da APIB alerta que o PLP 227 é "ainda mais grave do que a PEC 215". A medida pretende criar lei complementar ao artigo 231 apontando as exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas das terras tradicionais, em caso de relevante interesse público da União. Um parecer jurídico do (Cimi) afirma que o PLP 227 é inconstitucional.
A PEC 38/99, tramitando no Senado, altera os artigos 52, 225 e 231 da Constituição para prever a Competência privativa do Senado Federal para aprovar processo sobre demarcação de terras indígenas.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 227 trata da regulamentação ao artigo 6º da Constituição Federal, voltado às exceções ao direito de uso exclusivo dos indígenas às suas terras.
Todos esses tem como alvo os direitos sociais e a terra dos povos indígenas e estão diretamente ligados ao avanço do agronegócio, empreiteiras, mineradoras, indústria do turismo e capital imobiliário.
Além disso, no âmbito executivo, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) pretende estender condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol para as demais terras indígenas.
A portaria determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos.
As PECs, PLs e demais instrumentos focam não somente nos povos indígenas, mas ameaçam também populações tradicionais em geral, povos quilombolas e as unidades de conservação.
A ação, disse a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) em entrevista à BBC Brasil, pode retardar ou até impedir novas demarcações. "Este é, de fato, o momento mais delicado desde a promulgação da Carta", afirma Assirati, que assumiu a chefia do órgão oficial indigenista em junho.
Durante uma reunião com o presidente em exercício da Câmara, Andre Vargas, e diversos deputados, o cacique Raoni, que ganhou notoriedade na década de 1980 por sua luta pela preservação da Amazônia, defendeu que a Funai não se omita e continue responsável pelas demarcações de terras.
Após algumas reuniões fechadas durante a semana, com a presença de apenas algumas lideranças indígenas, nesta quinta-feira, às 11 horas, um grupo de deputados irá ao encontro dos índios que estão acampados no gramado em frente ao Congresso Nacional.
Demarcação da Terra Indígena Itaty
Em Santa Catarina, a equipe CarbonoBrasil acompanhou a manifestação dos indígenas da Aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, região da Grande Florianópolis. Com a participação de vários parentes Guarani vindos de vários municípios catarinenses, os indígenas fecharam a BR 101 por mais de uma hora nesta quarta-feira.
Seguindo o mote nacional, eles reivindicam a extinção das iniciativas no legislativo e executivo nacional que ferem seus direitos e também pedem à presidente Dilma que assine a homologação das terras – última etapa do processo.
A Terra Indígena Morro dos Cavalos fica localizada no município de Palhoça, litoral de Santa Catarina, ou seja, uma área de intensos conflitos e interesses imobiliários. Com a oficialização da área, será concretizada a desintrusão, ou a retirada dos não indígenas dos 1.988 hectares de posse dos índios Guarani Mbyá e Nhandevá.
Após uma reza e um ritual de abertura da mobilização no Morro dos Cavalos, a cacique Eunice Antunes (foto ao lado) enfatizou o direito originário dos indígenas (Veja a entrevista que Eunice concedeu à Rádio Campeche) .
“Antes de 1500 todo este território era nosso, e fomos perdendo espaço em nome do capitalismo. Cada vez mais foram entrando em nossas terras e hoje estamos lutando por um pedacinho delas”, lamentou a cacique.
“Hoje qualquer coisa que acontece é o culpa do índio que está atrapalhando o progresso do Brasil, sendo que na verdade é uma luta pela sobrevivência. Não estamos lutando para guardar dinheiro, enriquecer, mas sim em nome de um povo”, completou.
Instituto Carbono Brasil
Nenhum comentário :
Postar um comentário