É a natureza (e nada mais) que determina os limites da expansão econômica (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
Só haverá sustentabilidade (continuidade em equilíbrio ao longo do tempo) quando for posto em prática, em escala mundial, um modelo econômico (produção e consumo) que respeite os sistemas ecológicos (conjunto formado pelo meio ambiente físico, ou seja, o biótopo - formado por fatores abióticos como: solo, água, ar - mais a comunidade formada por componentes bióticos - seres vivos - que com o meio se relaciona), pautando-se na busca do equilíbrio ambiental, a partir do estabelecimento de uma relação amigável entre os sistemas econômicos e os sistemas naturais.
Sem essa condição, a busca pela sustentabilidade não passa de mera utopia. Enquanto os modelos econômicos continuarem exercendo forte carga entrópica (pressão) sobre a natureza, enaltecendo o paradigma do crescimento (cujo modelo é extrair-produzir-descartar-poluir) como objetivo supremo das políticas públicas, sustentabilidade não passará de cristalina quimera conceitual, quiçá será um aconchegante conto infantil para fazer criança dormir.
Fato inexorável: enquanto a economia neoclássica (tradicional) continuar não reconhecendo os indispensáveis elementos da natureza (oxigênio, biodiversidade, ciclos das águas, energia e outros) dentro da função produção será muito difícil fazer a reversão para um modelo de produção que aponte para a necessidade em diminuir o ímpeto do crescimento econômico, condição essencial para o alcance do equilíbrio ecológico.
Toda vez que a economia científica (paradigma neoclássico) exige e acentua o caráter da monetarização e mercantilização dos diferentes elementos do sistema natural, muito mais longe de nosso alcance estará o padrão de produção sustentável, dificultando converter assim o desenvolvimento em três fundamentais esferas: numa tarefa economicamente eficiente, num padrão socialmente includente e, por fim, numa visão ecologicamente equilibrada.
Além da eliminação desse modelo doentio de produção em excesso, algumas etapas precisam ser cumpridas e respeitadas no que tange a aprofundar o grau de consciência ecológica, frente à total exploração desregrada dos recursos naturais expressa, em âmbito global, na deterioração do ambiente.
Uma dessas etapas diz respeito a não ser mais possível, em hipótese algum, entender (como ainda insiste em apregoar a economia tradicional) o dinamismo do sistema econômico “funcionando” de forma dissociada dos serviços ecossistêmicos.
É mais que cristalino o entendimento que os objetivos econômicos estão (sempre estiveram) atrelados em decorrência da existência física dos limites impostos pela natureza.
É a natureza (e nada mais) que determina os limites da expansão econômica (aumento da produção) e, com ela não se pode negociar (“You cannot negotiate with nature”) como acentuou a chamada da The Economist, de julho de 2009.
Lamentavelmente, o único limite que a economia convencional enxerga para expandir sua sanha produtiva e, assim, atender aos ditames do mercado de consumo, é em relação ao capital monetário, nunca em relação ao capital natural.
Assim, enquanto houver disponibilidade (ou facilidade) de recursos monetários, a produção física da economia (mais mercadorias) continuará se expandindo, agredindo substancialmente os sistemas ecológicos (serviços ecossistêmicos).
Não se pode ignorar uma realidade pontual: o sistema econômico se desenvolve dentro do sistema ambiental. A economia recolhe da natureza matéria e energia (m&e) e a ela devolve resíduos sólidos, líquidos e gasosos (lixo).
Portanto, o sistema econômico “opera” dentro do meio ambiente. É importante reiterar, nesse sentido, que a economia (que se assenta em fundamentos biofísicos) é um subsistema da biosfera que, por sua vez, “funciona” como suporte (base) para a economia.
A natureza, nesse prisma, age tanto como fonte quanto fossa para o sistema econômico. Age como fonte ao fornecer recursos de baixa entropia, e se “transforma” em fossa ao absorver o lixo gerado pelas transformações energéticas (alta entropia). Aprofundar essa conduta numa velocidade maior do que a natureza possa absorver e se “recuperar” é afastar-se completamente do padrão de sustentabilidade, pois se retira mais do que a Terra pode dar em cada período.
Para que haja equilíbrio, o sistema de produção econômica não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a fronteira e a possibilidade dos sistemas ecológicos em absorvê-los. Há limites a serem observados. Por isso a “economia do crescimento” e o crescimento da economia buscado ilimitadamente são insustentáveis frente à limitação (finitude) dos recursos naturais não renováveis.
Tendo em conta que a população e a economia crescem, mas a natureza (ecossistema) não, se torna simplesmente uma condição delirante manter ad aeternum (para sempre) um crescimento contínuo da atividade econômica.
O raciocínio em relação a isso é bem simples: se o ecossistema não cresce e é finito, também à economia, que faz uso desse ecossistema, fica impossível crescer indefinidamente.
Mudar essa lógica é de importância crucial para se construir um novo modo de organizar a economia cuja prioridade seja estabelecer uma parceria com o sistema-natureza.
Quais as saídas para isso? Clóvis Cavalcanti, uma de nossas maiores autoridades nesse assunto, destaca duas delas: 1) promover um crescimento imaterial, expresso em mais saúde, mais cultura, mais lazer, afeto, solidariedade. Acrescentamos, de nossa parte, que tudo isso não passa pela “necessidade” de fazer a economia crescer fisicamente (materialmente); e, 2) promover o desenvolvimento sustentável, outrora denominado ecodesenvolvimento (conservação da natureza aliado à perspectiva de desenvolvimento cuja finalidade ímpar visa conduzir à melhoria – mais qualidade - no chamado bem-estar, lembrando que crescimento sustentável é impossível, mas desenvolvimento, não, uma vez que crescimento e desenvolvimento não são sinônimos, grifo nosso!).
Por isso que o desenvolvimento sustentável bate de frente com o crescimento econômico, uma vez que este é obtido partindo-se dos mecanismos de exploração e degradação socioambiental.
Enquanto essa “lógica” de mais produção, mais consumo e menos meio ambiente (portanto, de completa degradação ecológica) não for radicalmente eliminada, as palavras iniciais deste artigo continuarão válidas e pertinentes, ou seja, alcançar a sustentabilidade (proporcionar a continuidade das espécies vivas) não passará de mera utopia. Por fim, diante das evidências de destruição ecológica cada vez mais sintomática, espera-se que todos tenham plena consciência da seguinte premissa: não se pode negociar com a natureza.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em Osasco/SP. Autor dos livros 'Conversando sobre Economia' (Editora Alínea), 'Pensando como um economista' (Editora EbookBrasil) e 'Humanizando a Economia' (Editora EbookBrasil – livro eletrônico). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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