11/11/2013

Amar, verbo intransitivo

“Idílio” de Mário de Andrade inclui psicodrama sexual

Escrito por Eloésio Paulo em 11 de novembro de 2013

Um livro “gordo de freudismo”, na definição do autor, que meses depois de publicá-lo acusava a crítica de reducionismo psicologista, Amar, verbo intransitivo (1927) participa do esforço experimental iniciado por Mário de Andrade nos Contos de Belazarte (1923-1926) e que culminaria em Macunaíma (1928). Mas o romance gira em torno de um psicodrama sexual, isso nem o próprio Mário poderia negar.

Os protagonistas são um adolescente “machucador” de suas irmãs menores, rapaz cuja masculinidade a despontar preocupa o pai, Sousa Costa, típico pater famílias paulistano endinheirado. Para impedir que Carlos se exponha aos perigos da iniciação sexual, o pai contrata uma “professora de amor” alemã, que passa a figurar perante a família burguesa como professora de piano e línguas. Com uma habilidade ganha na experiência, Fräulein Elza seduz o garoto, no entanto já iniciado na prostituição de rua tão temida por seu pai.

Mas Carlos, ao confessar-lhe a aventura, esclarece que “estar não é gostar”, e os dois se tornam amantes até o ponto de perturbar o sossego hipócrita da família. Chega, então, o momento da ruptura, que a professora exige seja traumático, a fim de que a “lição” fique completa. O desfecho, no entanto, deixa claro que ela não era tão profissional como desejaria: seu coração, já machucado pelos sucessivos envolvimentos abortados e pelo sonho cada vez mais distante de casar-se, sofre a separação quase tanto quanto o do desesperado Carlos, que mergulha na depressão. No entanto, espere pelo epílogo…

Estruturado por cenas em contracanto com as digressões do narrador, o romance foi chamado por Mário de “idílio”, e não é casual a associação da personagem wagneriana Sigfried a Carlos. O autor estava impregnado de cultura alemã, e foi mesmo por estudar com afinco o idioma de Goethe que descobriu, num livro de antropologia, a lenda de Macunaíma. Há marcante influência do Expressionismo em Amar, verbo intransitivo, não faltando uma paródia do quadro O grito, de Edvard Munch.

O que mais vale a pena destacar, porém, é o sabor da linguagem. Mário de Andrade foi um profundo pesquisador da língua do povo, com o intuito de contaminar com ela o registro literário. Nesse “idílio”, encontra-se uma amostra polifônica dos resultados da pesquisa. E, se a colagem dessa antigramática sobre as pretensões teorizantes da narrativa resulta cheia de arestas, a impossibilidade de fazer do livro um todo bem acabado não impede que ele resista a leituras não comprometidas com a idealização de nosso Modernismo.

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