06/11/2013

Quem manda de verdade no Brasil?

Por Reinaldo Lobo*

Há uma tensão pré-eleitoral no País. Esperamos dois eventos importantes para 2014: a Copa do Mundo e as eleições gerais, incluindo a de presidente da República. Os eventos não costumam ser separados, mas um não vai definir o outro. O Brasil ganhar ou perder a Copa não será o que vai decidir o destino do atual governo. Alguns dos chamados analistas políticos juram que Dilma está "tirando proveito" do futebol e que uma vitória brasileira nos gramados está nos planos de poder dos petistas. Tolice. Em primeiro lugar, não se ganha eleição com futebol. Em segundo, o PT não está com essa bola toda.

A Ditadura Militar tentou misturar futebol e política; nunca deu muito certo. O Brasil ganhou a Copa em 1958, Juscelino era o presidente e não conseguiu fazer o seu sucessor. Em 1962, também; Jango não levou as eleições regionais e houve um golpe no começo de 64. Em 1970, não havia eleições sérias para conferir o prestígio do general Garrastazu Médici. Podem acreditar que, se houvesse uma eleição democrática, ele não  venceria contra Juscelino, Brizola, o próprio Jango, Ulysses Guimarães ou mesmo Carlos Lacerda. Apesar do ufanismo do "Brasil, Ame-o ou Deixe-o". Em 94, o governo Itamar passou ao largo do futebol  e elegeu FHC na onda do Plano Real.  Já em 2002, Brasil de novo campeão do Mundo, FHC era presidente; o PSDB perdeu para Lula.

O que vai definir, então, a eleição de 2014? A economia e a política. O governo depende obviamente da manutenção de algum grau de crescimento até lá, da contenção da inflação e da governança firme dos fundamentos econômicos do País, sobretudo na responsabilidade fiscal. Um fator decisivo é a sustentação da taxa de emprego e de empregabilidade. Se o desemprego aumentar, o governo perde apoio de uma de suas bases de sustentação - os sindicatos e a classe trabalhadora. Precisa também organizar os seus palanques e alianças políticas para não perder a base de apoio nos Estados e Municípios. Simples assim.

Quem complica são os articulistas políticos, sobretudo os politizados demais, que torcem, em sua maioria, contra o governo e os que o defendem sem considerar as contradições que atingem o poder. Ambos  os times dos comentaristas torcedores ignoram ou fingem ignorar, muitas vezes, a verdadeira natureza do governo brasileiro.

Sem termos a pretensão de esgotar o assunto, é preciso apontar a composição do que se chama de fontes de poder no Brasil atual para analisar o quadro dessa atual tensão pré-eleitoral.

Vejamos. A grande maioria das análises sobre o governo Dilma parte de uma falácia argumentativa e se baseia numa falsa lógica. Tanto os ataques quanto alguns dos apoios pressupõem como base e dado definitivo que o governo é petista e que suas ações e contradições são resultantes disso. 

Ora, o atual governo brasileiro NÃO é petista e nem mesmo lulopetista, como dizem os intérpretes mais afoitos e ideológicos. Apesar da aparência, do rótulo pregado e de alguns símbolos, não é o que acontece. E apesar da  herança simbólica ligada ao nome de Lula e de alguma retórica petista por parte de alguns ministros e dirigentes. Para a imprensa em geral trata-se de um governo essencialmente petista. Não é. 

O PT constitui apenas uma parte dele. Nem mesmo é um governo socialista ou, menos ainda, comunista. O que existe é apenas uma coalizão entre forças diferentes e divergentes. Frágil coligação, diga-se. Os próprios comunistas tradicionais (da "linha russa") fazem oposição e  desaprovam com veemência a presença do PT no arco do poder, mas bem que gostariam muito de estar no lugar dele. Dizem que assumiriam melhor os espaços.

Esses comunistas são hoje meros subsidiários do PSDB e se ressentem do fato de Lula ter conseguido realizar um tipo de aliança com o empresariado que eles próprios sempre preconizaram. O "bloco histórico" inspirado no comunista italiano Antonio Gramsci escapou-lhes do comando. Lula roubou-lhes a bandeira. Assim como tirou inúmeras bandeiras social-democráticas do PSDB, reduzido desde o governo FHC à política de inspiração norte-americana ditada por Bill Clinton e os Bush. Ficou apenas para o PSDB, mesmo que os seus líderes protestem, a marca de neoliberal e seguidor do "pensamento único" dos anos 80 e 90. FHC acabou seu mandato em 2002 como uma espécie de Menen, da Argentina, em meio a uma de crise de autoridade.

Tudo isso não significa que o PT detenha plenamente a hegemonia ou o comando desse dito "bloco histórico". Longe disso. Está no governo, mas não governa com toda a liberdade nem a política econômica. Esteve atrelado à política monetária e de juros do Banco Central durante os oito anos de Lula. Hoje está um pouco menos atrelado, assumiu um tom desenvolvimentista, porém continuam fortes as pressões do empresariado e dos banqueiros para determinar essa política. E eles têm conseguido.
Se os petistas herdaram algo importante do PSDB não foram os programas sociais, implementados na era Lula em muito maior escala e de modo diferente em várias áreas. Herdaram, na verdade, em maior proporção, algumas condicionantes e limitações da política econômica.

Dilma até que avançou mais na questão do pré-sal, impondo fórmulas de sua criação como a "partilha", na realidade uma parceria publico-privada, com alguma vantagem para a esfera pública. Mas não significa que assuma todo o poder de decisão. Isto, para não falarmos da precária aliança chamada de "base do governo" no Congresso e a sua quase total fragilidade defensiva diante do Judiciário. 

Não se pode tomar a parte como se fosse o todo, numa pretensa análise abrangente. Erram os articulistas e editorialistas da direita. Erram os militantes precipitados da extrema esquerda, como os do PSTU e os do Psol. É verdade que estes chamam o atual governo de "liberal-socialista", um interessante oximoro inventado para ilustrar o seu desprezo pelos "conciliadores burgueses". Mas a palavra é equívoca, pois não define a realidade do poder atual, muito mais próximo de um equilíbrio precário entre forças indefinidas ideologicamente e agrupadas por interesses eleitorais e econômicos.

O governo de Dilma não é sequer o começo do socialismo. No máximo, pode-se dizer que é um "governo de transição", como se costumava dizer à esquerda no passado. O PT está no arco governamental; contudo, só detém o mando hegemônico em algumas ocasiões. Não pode fazer o que quer e não tem feito. Depende da aprovação dos co-participantes. Não determina totalmente sequer a política externa, como chegou a fazer sob o comando de Lula e de Celso Amorim. O episódio do "resgate" de um asilado boliviano de La Paz e a queda do ministro Patriota mostraram essa ambigüidade na área do Itamaraty.

O que parece óbvio posto assim no papel , no preto e no branco, não o é para a maior parte dos analistas políticos brasileiros. Estes estão talvez tomados por uma ótica ideológica e eleitoral. Falar de "governo petista" é um abuso retórico muito usado. Nem a maioria dos ministérios é petista. 

Uma prova dessas contradições governamentais está na "Folha de S. Paulo" de sábado,  26/10/2013,  na página de Mônica Bérgamo. Ela descreve uma simpática homenagem prestada por alguns dos mais poderosos industriais, comerciantes, proprietários rurais, donos de mídia e banqueiros a um dos seus xodós no governo, o vice-presidente Michel Temer. Como foi dito na homenagem , ele seria o "abridor de portas" do governo aos interesses e reivindicações dos empresários. 

No seu discurso de agradecimento, Temer foi bem claro: "Quando forem ao meu gabinete, as portas não estarão abertas. Eu mandarei arrancar as portas para vocês entrarem".


Fonte: Dom Total

Nenhum comentário :

Postar um comentário