20/12/2013

O Brasil na pré-história da civilidade

Enquanto acharmos que brasileiro é simpático e cordial, não enxergaremos nosso primitivismo.



Somos um povo que berra, confundido descontração com boçalidade. (Foto: Arquivo)
Por Ricardo Soares*

A Copa do Mundo do Brasil 2014 está chegando e só se fala dos preços dos ingressos, dos negócios, do atraso das obras, das transmissões dos festejos, do véu de alegoria que todos querem colocar ao redor do evento. Evidente que nenhuma palavra sobre os superfaturamentos dos estádios e nenhuma reflexão sobre as mortes de operários, macabro pedágio imposto pela velocidade das obras. Afinal, são apenas operários em construção, moscas no grande processo de produção de um gigantismo para inglês ver. Ou melhor, para toda sorte de gringo ver. Queremos mostrar que somos um país civilizado, queremos fazer jus aquele hediondo epíteto do neoliberalismo : "um país de primeiro mundo". Mesmo que o primeiro mundo seja imundo, moral e eticamente falando.

Educação, bons costumes, respeito aos mais velhos, a gestantes, às filas, isso nem entra na pauta. A generalizada falta de civilidade do país do consumo e do futebol nem é questionada. É mais fácil falarmos que a África que fala português é incivilizada. Agora, mesmo enquanto escrevo essas mal traçadas, um menino de 11 ou 12 anos na cadeira de centro de uma fila de três no avião onde estou se levanta para ir ao banheiro. Não pede licença, sequer faz contato visual comigo. Imagina que, postado ao meu lado, sem me dirigir a palavra, faz com que eu adivinhe a sua intenção de levantar para  ir ao banheiro. Levanto, ele volta e de novo não me pede licença para sentar ao meu lado. Tudo sob o olhar do pai e da mãe com seus fones de ouvidos enterrados nas orelhas ávidas por boas ofertas no Ponto Frio.

O exemplo citado acima é simples e ilustrativo .Meninos que tem ótimos relógios de marca nos pulsos (como o que estava comigo no avião), tem iPads, iPhones, mas que não sabem pedir por favor, com licença, bom dia, obrigado ou até logo. A má educação é prata da casa brazuca. É regra não exceção em todos os níveis sociais.

Patricinhas e playboys jogando lixo e bituca pelas janelas de suas Mercedes, gente que ultrapassa nos acostamentos e para em fila dupla  e tripla nos aeroportos, gente que entra em horda nos vagões do metrô sem esperar que os semelhantes saiam primeiro, gente que não respeita semáforo e nem faixa de pedestre, gente que atravessa seus carros nos cruzamentos, gente que não respeita mão e contramão. Ou seja, gente que está num grau civilizatório tão baixo que vai ser difícil fazer bonito diante de quem quer que seja na Copa 2014.

Não faremos bonito até porque somos uma gente que fala alto, uma gente que berra o que não queremos saber nos celulares, uma gente que faz uso inconveniente da palavra berrada confundindo descontração com boçalidade.  Enquanto acharmos que o brasileiro é antes de tudo um simpático e um cordial não estaremos a enxergar a questão como ela é. Somos supremamente mal-educados.

Quando vamos enfrentar a questão com seriedade ao invés de esconder a sujeira de nossa péssima educação sob os tapetes da pseudo-modernidade de consumo?  Enquanto tivermos essa horda de meninos mal educados como esse que não me aborda no avião estaremos na pré-história da civilidade.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC - Empresa Brasil de Comunicação.
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