Se o Brasil se livrar de certos mitos, poderá ter um futuro promissor já a partir de 2014.
Estão enganados os que pensam que, para mudar o Brasil, seria preciso voltar (Foto: Arquivo) |
Por Reinaldo Lobo*
Sempre esteve na moda falar mal do governo. De qualquer governo. Mas a onda atual é mais sutil. Consiste em ridicularizar o Brasil para atingir o atual governo. Também falam mal dos políticos, em muitos casos com razão. Jogam no mesmo saco todos os políticos sem exceção, como se fossem iguais. Não são. O alvo principal das pancadas é, porém, o próprio país. Segundo essa visão, o Brasil é o que está pior entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China); a sua economia vai desabar em 2014 numa crise sem precedentes; bom mesmo são os Estados Unidos, onde tudo é melhor e funciona; a Copa do Mundo, essa roubalheira promovida pela era Lula, será um completo fiasco e, se tudo der certo, a Seleção Brasileira perde.
O “complexo de vira-latas”, definido por Nelson Rodrigues, voltou com tudo.
A maior parte disso é pura mentira. Na melhor das hipóteses, são meias verdades. O Brasil não é o pior entre os BRICs, a Índia e a Rússia enfrentam dificuldades maiores. E, em relação à China, todos estão atrás em matéria de crescimento, até mesmo algumas economias poderosas do Primeiro Mundo. Mas o nosso País é o que tem o menor índice de instabilidade, com mais possibilidades de aumentar as taxas de crescimento e de atravessar a atual crise mundial mantendo-se em pé sobre os fundamentos de sua economia. Portanto, é bem provável que não vá desabar em 2014 e nem depois.
Quanto à Copa, o futebol é uma “caixinha de surpresas” como dizem nossos doutos cronistas esportivos. Se a Seleção ganhar,ou mesmo se perder, não haverá prejuízos nos investimentos feitos. Nem se deixará de investigar, por meio do Ministério Público, possíveis desvios de verbas ou superfaturamentos feitos pelas empreiteiras em conivência com algum burocrata da CBF ou da FIFA.
Os setores que alimentam o pessimismo entre nós são fáceis de localizar. Uma parte pertence à classe média tradicional e à fração mais elevada, que se imagina próxima da classe rica. Os muito ricos e os empresários em geral sempre tiveram como modelo idealizado a sociedade norte-americana e o chamado Primeiro Mundo, pois suas aspirações os fazem desprezar o próprio País e sonhar com uma fase superior do capitalismo, por identificação com suas aspirações e interesses.
São os que mais viajam ao exterior e odeiam a ideia de um Brasil “em desenvolvimento”. Têm preconceito em relação à sua própria terra. Devemos ressalvar as exceções de praxe, algumas das quais perceberam uma mudança radical da posição do nosso País, que tornou inclusive os ricos mais ricos nos últimos doze anos. Justamente nesse período que os detratores não hesitam em chamar de “década perdida”. Perdida para quem? Certamente não para os mais pobres que engordaram um grande mercado interno para benefício de todos.
Esses detratores do Brasil costumam alimentar o seu desprezo sob a alegação de que temos aqui altas taxas de corrupção. Não consideram o que diz um insuspeito sociólogo conservador e positivista norte-americano, Samuel Huntington, para quem as sociedades com alta mobilidade social e acelerado desenvolvimento costumam apresentar elevadas demandas sociais e aumentam a “informalidade” de acesso social. Muitos querem “pegar um atalho” para mudar de classe, para cima, e para consolidar o poder econômico de grupos emergentes.
Ainda que negue isso, o empresariado brasileiro – sobretudo os “novos ricos” – parece constituir o principal agente de corrupção ativa no País, utilizando os seus políticos e funcionários comprados do Estado. São, sobretudo, as empreiteiras, as incorporadoras, a indústria da construção, da produção de bens de capital estrutural, de manufaturados e mesmo os setores financeiros que abrem caminho pela via da burocracia estatal para suas altas taxas de capitalização rápida e elevadas performances nas taxas de lucro. O chamado superfaturamento é uma instituição nacional que atende principalmente aos interesses do empresariado. É um desvio do dinheiro público para as “mamatas” privadas. Vem daí a proverbial expressão “mamar nas tetas do Estado”.
A mídia não hesita por sua vez – ressalvadas as exceções de praxe aqui também – em negar a realidade da corrupção nacional, varrendo para debaixo do tapete a sua natureza fundamental. Dirige sua atenção apenas para uma parte do processo, os políticos e os funcionários do Estado,a fim de salvar a face do empresariado. Há políticos e burocratas na cadeia por acusação de corrupção, mas são raríssimos os grandes empresários, mesmo os transitados em julgado, que estejam presos.Talvez nenhum.
Esse fenômeno de acobertamento da natureza da corrupção é uma fonte de desprezo pelas instituições políticas e pela democracia.
O mais curioso é que a ideologia dominante, modelada na idealização do sistema norte-americano, é o neoliberalismo, que tudo justifica e ainda apresenta o empresariado como vitima do Estado. Outra moda brasileira é se queixarem dos impostos, sobretudo daqueles que se destinam a programas sociais como Bolsa Família, Minha Casa, Mais Médicos, etc., todos do atual governo. Mas as queixas não ficam nisso: o sistema de saúde público, as aposentadorias do INSS, a legislação trabalhista que garante benefícios aos trabalhadores, tudo isso é alvo permanente da ideologia da privatização. E da sanha dos governos de orientação neoliberal.
Não custa lembrar que temos um dos maiores índices de sonegação fiscal do planeta: 600 bilhões por ano. Os sonegadores exponenciais são os mais ricos e as grandes empresas.
Os economistas de feitio neoliberal têm repetido um mantra fora de moda desde a década de 90, mas decadente principalmente após a crise de 2008. Consiste em clamar pela redução da intervenção do Estado na economia e, sobretudo, pela privatização quase total das atividades produtivas e de serviços. São acompanhados pelos empresários que exigem que “o governo deve nos deixar trabalhar”, como se só eles trabalhassem e fossem a real fonte da produção.
Esse mantra coloca Lord Keynes, o grande economista, na lista dos subversivos. Ele defendia o papel do Estado na regulação da economia. Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, norte-americano que não idealiza o sistema em que vive, mas que lhe aponta os defeitos,escreveu na “Carta Capital” da semana passada: os economistas dos EUA, convencidos de que o sistema capitalista funciona em crise permanente, começam a rever sua ojeriza a Keynes e a se perguntar se a ortodoxia liberal, tendente a um retorno do capitalismo de “laissez faire”(ou capitalismo do “salve-se quem puder”) não passa de um mito envelhecido e perigoso nos tempos que correm. Perigoso, porque nega a desigualdade social e aumenta o fosso entre as classes. Perigoso, porque elevou o índice de desigualdade nos EUA em 8% nos quatro anos recentes, inclusive sob Obama, que tenta reverter o quadro.
Se o Brasil puder se livrar desse mito e dessa idealização dos EUA poderá ter um futuro promissor já a partir de 2014, quando teremos, além da Copa, eleições gerais. Estão enganados os que acreditam que, para mudar o Brasil seria preciso voltar atrás e repetir a era Clinton-Bush do capitalismo cassino, com sua contrapartida Pinochet-Menem-FHC na América Latina. Para corrigir a relação viciada entre sociedade civil e Estado são necessárias reformas estruturais e institucionais mais profundas, sem dúvida,mas não a retirada das conquistas e direitos dos trabalhadores e pensionistas. Nem torcer contra a nossa Seleção.
Precisamos pensar nisso tudo se quisermos um Feliz Ano Novo, pois pior do que o engano é o auto-engano.
*É psicanalista e jornalista. Tem um blog de ideias e informações: imaginarioradical.blogspot.com
Redação Dom Total
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