Por Thomas Sparrow
A julgar pelas recentes declarações, um dos discursos mais esperados na agenda presidencial dos Estados Unidos, o do Estado da União, terá como tema principal a luta contra a desigualdade.
O discurso será na próxima terça-feira (4) à noite no Capitólio, em Washington. Os assessores do presidente Barack Obama ressaltaram que a mensagem estará focada especialmente, mas não de maneira exclusiva, na busca de oportunidades para as classes médias e baixas.
O próprio Obama tornou o desempenho econômico seu projeto mais importante, ressaltou avanços em relação ao crescimento do país e na redução do desemprego, disse também que, em boa medida, irá avaliar sua presidência com base nas conquistas para a melhoria da situação da classe média.
Neste discurso inclui-se também a busca por uma reforma nos processos migratórios, hoje acredita-se que cerca de 11 milhões de pessoas vivam no país sem documentos. Este tem sido um dos projetos chaves do atual presidente, mas tem esbarrado em uma considerável oposição do Partido Republicano.
Alguns republicanos também consideram que a desigualdade é devida as políticas econômicas do presidente, que fomentam a “dependência governamental em vez da mobilidade econômica”, como disse em dezembro o presidente da Câmara de Representantes, John Boehner.
Entretanto, quão séria é a desigualdade nos Estados Unidos? BBC Mundo lhe apresenta cinco dados que lhe ajudarão a entender o problema.
Em agosto do ano passado, quando os Estados Unidos comemoraram o 50º aniversário do famoso discurso de Martin Luther King em Washington, não foram poucos os que ressaltaram que ainda persistem as diferenças econômicas entre os brancos e os negros no país.
A divisão de tendências demográficas e sociais do Centro de Pesquisa Pew, um instituto de pesquisa com sede na capital estadunidense explicou que os números sobre a renda e a riqueza familiar, assim como os dados sobre a casa própria demonstram que as lacunas de hoje são “tão ou mais amplas quanto as dos anos 60 e 70”.
Por que o discurso é importante?
O discurso que Obama fará nesta terça é um compromisso estabelecido na Constituição, no qual o presidente explicará suas prioridades para o ano, frente a um Congresso lotado.
Nas últimas décadas, o discurso se tornou um dos eventos mais importantes, e midiáticos, do calendário político, seguido pelo discurso do partido da oposição.
Segundo explicou recentemente John Podesta, novo assessor de Obama, o discurso “estabelece um contrato com o público” acerca do que diz e faz o presidente. E o exemplifica com os seguintes dados: a diferença da renda familiar entre brancos e negros cresceu de US$19.000 em 1967 para quase US$27.000 em 2011.
As diferenças também são evidentes quando se compara as rendas de outros setores da população. O Centro Pew destaca que a diferença de renda entre latinos e brancos também cresceu desde 1970.
Segundo números divulgados pelo Censo do país, a renda familiar média dos brancos foi de US$ 67.175 em 2011; US$ 39.760 dos negros; US$ 68.521 dos asiáticos e US$ 40.007 dos latinos.
Contudo também houve avanços na situação econômica de muitos grupos nos Estados Unidos desde a época de Martin Luther King. No marco do histórico aniversário, o Censo ressaltou que a renda média dos negros duplicou, a pobreza caiu em 14% e a presença desta população na educação aumentou.
46,5 milhões: o número de pobres nos EUA
O Censo do país revelou, em setembro do ano passado, que o número de americanos que vivem na pobreza aumentou levemente em 2012, chegando aos 46,5 milhões.
Tendo em vista que a economia do país teve melhora a nível macroeconômico, o número de pessoas que podem ser consideradas pobres aumentou em 300 mil. A mesma entidade indicou que cerca de 16,1 milhões de crianças estão em situação de pobreza, assim com 3,9 milhões de adultos maiores de 65 anos.
O documento indica que a pobreza em 2012 foi maior entre negros (27,2% ou 10,9 milhões de pessoas), latinos (25,6% ou 13,6 milhões) e asiáticos (11,7% ou 1,9 milhões) do que para os brancos não latinos (9,7%).
Os autores do informe situaram a situação limite da pobreza nos lugares que têm renda anual abaixo de US$23.492 para uma família de quatro pessoas.
Esta questão ganhou relevância em 2014, devido ao 50º aniversário da “guerra contra a pobreza”, proclamada pelo presidente Lyndon B. Johnson, em seu discurso do Estado da União.
Há mais ricos que antes
Uma análise do Centro Pew sobre as estatísticas reveladas pelo Censo estadunidense revelou, em abril do ano passado, que a riqueza aumentou para os mais ricos e diminuiu para o restante.
Entre 2009 e 2011 – os dois primeiros anos de recuperação econômica após a crise – o patrimônio líquido médio das famílias mais ricas cresceu 7% em 28%, enquanto o patrimônio líquido das 93% famílias nos restantes caiu 4%.
A análise explicou que as diferenças derivam das altas dos mercados de valores – onde se concentram as riquezas dos mais ricos – em comparação ao rendimento do mercado imobiliário, onde as famílias menos abastadas têm aplicado.
A partir dessas diferenças, o Centro Pew concluiu que a desigualdade nas riquezas cresceu durante esta fase de recuperação econômica.
O impacto de uma educação menos desigual
Uma das conclusões do informe, preparado para o Departamento de Educação dos Estados Unidos, há um ano, foi contundente: “Nenhuma outra nação desenvolvida tem desigualdades tão profundas ou sistemáticas; nenhuma outra nação desenvolvida gerou, apesar de alguns esforços, tantas condições desfavoráveis para muito de seus filhos”.
O argumento refere-se ao sistema colegial no país e o informe ressalta as disparidades educativas que existem entre os diferentes grupos sociais.
“Se o rendimento dos estudantes latinos e afro estadunidenses crescesse a níveis comparáveis aos dos bancos e se permanecessem assim durante os próximos 80 anos, os dados históricos apontam que o impacto seria assombroso, pois acrescentaria US$50 bilhões (em valores atuais) na economia”.
O documento ressalta que o sistema educativo está “distanciado” tanto em relação a temas de renda como de raça. E explica que há 10 milhões de estudantes nas comunidades mais pobres que estão afetados por um sistema que os vincula aos professores e escolas de baixo desempenho, assim como às expectativas e oportunidades menores.
As desigualdades na educação são chaves porque, como explica o Instituto Brookings, em um estudo de junho de 2013, uma educação melhor é uma forma para transformar as circunstâncias econômicas.
Este estudo aponta que filhos de famílias ricas e pobres nascem com habilidades semelhantes, mas os pais mais endinheirados investem mais em seus filhos, o que aumenta a lacuna educativa colegial e, consequentemente, a possibilidade de ingressar na universidade.
E quanto a esta última, Brookings ressalta que “um diploma universitário pode ser um caminho para sair da pobreza”: uma pessoa de baixa renda sem graduação, muito provavelmente, permanecerá na parte baixa da escala social, enquanto uma pessoa de baixa renda com um diploma pode “facilmente” chegar a outro nível, incluindo o mais alto.
Não obstante, “o número de graduações nas universidades têm subido consideravelmente para os estudantes endinheirados, mas estagnaram para os estudantes de baixa renda”.
47% acreditam que a desigualdade é muito grave
A desigualdade nos Estados Unidos não está relacionada apenas as cifras econômicas, mas também a percepção que há sobre o problema.
Pouco após de Barack Obama fazer o pronunciamento de um discurso importante sobre sua política econômica, no final do ano passado, o Centro Pew analisou o impacto que a desigualdades tem para os estadunidenses.
“Na maioria dos países avançados há uma correlação entre a preocupação pública sobre a distância entre ricos e pobres e a realidade econômica subjacente”.
“Mas, nos Estados Unidos, em comparação a outras nações ricas pesquisadas, é grande a desconexão entre a preocupação pública e o grau desta distância”.
Enquanto em outras economias o crescimento desta distância é considerado um problema muito grave por 74%, nos Estados Unidos é para apenas 47%.
Outra pesquisa do Pew aponta que 76% dos estadunidenses estão de acordo com a frase “hoje é certo que os ricos irão se tornar mais ricos e os pobres mais pobres”. No país, a quinta parte mais alta do gráfico de renda ganha 16,7 vezes mais que a quina mais baixa, ainda segundo o Pew.
BBC Mundo, 27-01-2014.
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