Se a falta de chuva deixa em alerta o setor elétrico, para donos de microgeradores, causa alegria.
Já que o calor associado à forte presença do sol é a causa da crise, por que não usarmos o sol ao nosso favor?
Por Mauro Passos*
O forte calor que tem feito muitos correrem para o abrigo do ar-condicionado vem mais uma vez reforçar que já passou da hora de o Brasil olhar para o sol. A energia que ele nos disponibiliza e que não está sendo aproveitada é a melhor de nossas alternativas. Até porque mudou a hora da ponta, como chamamos o momento máximo do consumo de energia elétrica, que historicamente no país ocorria das 18 às 20 horas; passou para o meio da tarde - entre 14 e 16 horas. Foi nesse período de forte presença do sol que ocorreram os mais recentes recordes de produção de energia, chegando a um pico de 83.307 MW, segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS).
O principal motivo foi o calor e, por consequência, o ar-condicionado ligado. Antes, o vilão era o chuveiro elétrico, de uso residencial, usualmente ligado no final do dia quando as pessoas chegavam em casa do trabalho. Já o ar-condicionado, mais associado ao consumo do setor de serviços, fica ligado a tarde toda. Para atender esse pico de demanda, as usinas geram o máximo que podem. As térmicas são acionadas e os reservatórios esvaziados. É o pior dos mundos, tarifa mais alta para cobrir as térmicas, falta de água nas usinas hidrelétricas e a assombração dos apagões. Esta é a pior estiagem que o Sudeste e Centro-Oeste enfrentam em janeiro desde 1954. Na região Nordeste, a situação é crítica, com o nível dos reservatórios em 34,88% segundo o ONS.
Como a causa principal já está identificada e anunciada pelo próprio governo como sendo o calor associado à forte presença do sol, por que não usarmos o sol ao nosso favor? Basta incentivarmos o seu uso implantando usinas solares nas regiões de maior insolação.
Só a China, no ano passado, instalou quase uma Itaipu de fonte solar. Se formos comparar o que gastamos com as térmicas para atender nossas necessidades de energia, já daria para implantar um conjunto de usinas solares em Pernambuco. A forte demanda energética associada à falta de chuva levou os preços da energia para um pico histórico no mercado a curto prazo. Segundo o site da própria Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o valor da energia chegou a R$ 822,22/MWh, teto estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Se a falta de chuva deixa o setor elétrico em estado de alerta, para proprietários de microgeradores brasileiros é motivo de alegria. A produção da geração fotovoltaica tem atingido recordes em janeiro. Em Minas Gerais, por exemplo, um sistema de 6,58 kWp instalado em uma empresa de informática gerou em janeiro 950 kWh, 48% a mais que no mesmo período do ano passado. No Rio de Janeiro, o proprietário de um sistema residencial também festeja. A micro usina de 2kWp gerou 308 kWh, superando a média dos meses anteriores em 38%.
À primeira vista, usinas de tal porte podem parecer insignificantes, diante do consumo nacional. Mas em grande volume podem ajudar o sistema. Vejam o caso da China, do Japão, da Alemanha e de outros países, que mesmo numa condição de insolação bem pior vêm desenvolvendo programas ambiciosos nessa área. Em 2014, a previsão é que sejam instalados no mundo mais de 40 GWp, entre instalações em telhados e usinas solares.
No Brasil, o que temos hoje de mini ou microgeradores fotovoltaicos registrados no Banco de Informação de Geração (BIG) da Aneel é muito pouco. Quanto às plantas solares maiores, também se contam nos dedos. Acima de 1 MW, por exemplo, temos o projeto no telhado da Eletrosul, o estádio do Mineirão e alguns projetos de P&D autorizados pela Aneel. Se somarmos toda a energia solar conectada à rede, ela não chega a 50 MW.
A nossa expectativa é de que a participação da energia solar na matriz brasileira cresça exponencialmente nos próximos anos, tanto pela importância como pela necessidade. Pela importância, por estar disponível a todos e ser a única fonte renovável onde você pode gerar junto ao consumo - nos telhados e estacionamentos, de casas, aeroportos, shoppings e supermercados. E pela necessidade, diante da fragilidade dos reservatórios perante a prolongada seca que vivenciamos. A complementaridade dessa fonte limpa e inesgotável com a nossa matriz de base hídrica é perfeita. O sol que castiga os reservatórios, reduzindo o nível de água, é o mesmo que pode estar gerando energia preservando o volume de água.
Por último, rebatendo o principal argumento que usam contra ela - o preço. No leilão solar de Pernambuco, realizado em dezembro, o preço da energia solar ofertado foi de R$ 228/MWh. O valor que estamos pagando pelas usinas térmicas que estão sendo acionadas é de R$ 822,00/MWh. Como nossos reservatórios funcionam como uma grande bateria, a fonte solar se beneficiaria dessa condição, contribuindo para um maior nível de armazenamento de água. Dessa forma, além de se preservar uma matriz limpa e renovável, evitando o uso do diesel e do carvão nas usinas termelétricas, com impacto direto na tarifa e no bolso do consumidor, o governo estaria dando atenção para um novo setor que cresce no mundo e ganha importância no cenário energético global.
Valor, 20-02-2014.
*Mauro Passos é presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina.
Dom Total
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