14/02/2014

Encontro íntimo (e animado) com um cético

Michel Gondry retrata em documentário as inquietudes do pensador Noam Chomsky.
Noam Chomsky, um solitário famoso.
Por Gregorio Belinchón*

Michel Gondry não esconde nenhuma cartada. O cineasta e realizador de videoclipes tem carimbado seu último trabalho, "Is the man who is tall happy?" (É feliz um homem alto?), com a frase: "Uma conversa animada com Noam Chomsky”. Claramente, é isso o que é: dois encontros em Boston com um dos pensadores e ativistas mais importantes da atualidade, de quem se ouve as respostas enquanto na tela aparecem em animações seus conceitos de forma artesanal. 

Três horas de conversa que aconteceram em 2010 –em dois encontros separados por seis meses- que deram lugar a um filme de uma hora e meia, apresentado no Festival de Cinema de Berlim (Berlinale), onde o autor faz parte do júri oficial. Um trabalho que só pode vir de alguém como Gondry (Versalles, 1963), sem nenhum problema em fazer animação, cinema, música ou falar um inglês macarrônico que provoca com Chomsky muitos mal entendidos.

“Há uns anos eu estava de visita em Boston, no M.I.T. (o famoso Instituto Tecnológico de Massachussets), quando cruzei com Chomsky. E lhe propus a ideia: poderia fazer um documentário animado sobre seu pensamento que seria gravado com uma velha câmera que dá uma textura oficial? Ele recusou a proposta, e tempo depois insisti e insisti até que ele cedeu”, conta o diretor de Rebobine, por favor e de Brilho Eterno de uma mente sem lembranças. “Reconheço que há dez anos não sabia nada sua obra, na França Chomsky não é muito conhecido”. Como, se ele é o autor mais citado das últimas décadas? “Pois é, não muito. Comecei a ler sua obra e por isso sabia quem era quando o vi no M.I.T.”.

Chomsky vai respondendo as perguntas de Gondry, ou, pelo menos, o que entende de suas questões: em várias ocasiões o francês lhe pede perdão e repensa sua frase porque seu inglês não dá conta. “Não queria manipular muito. Obviamente quando se faz um documentário ele nunca é objetivo, algo de manipulação há. Começando pelo que é perguntado”.

Gondry é apaixonado pelos temas científicos, e se concentra no fato de que o norte-americano, que aos seus 86 anos mantém uma mente brilhante, explique sua paixão por Isaac Newton, “que descobriu forças ocultas que refutavam o conceito do mundo como uma engrenagem mecânica”, explica o filme, ou como o ser humano adquire e desenvolve a linguagem, a gramática generativa, parte de sua aposta em o racionalismo cartesiano, um momento no qual a voz de Chomsky muda e aumenta de firmeza. 

Preso na guerra do Vietnã

Por sua vez, Gondry pergunta pela infância dele na Filadélfia, sobre as primeiras lembranças –para relacioná-las com sua ciência-, a adolescência, as primeiras apresentações públicas de suas pesquisas. “Mas não sou bom jornalista, não retruquei o suficiente. Por exemplo, quando ele conta que esteve na prisão durante a Guerra do Vietnã, eu não parei, não perguntei por que nem como era essa época”. Também sofreu outras frustrações. “Há conceitos que me custaram muito animar, sobre as relações cerebrais e as recriações linguísticas do que vemos. Fiz o que pude”.

As entrevistas distanciaram-se no tempo para que Gondry começasse a animar alguns fragmentos –o faz à mão, como conta no filme, como fez em vários vídeos musicais-. "Chomsky gostou do resultado e continuamos”. Em ‘Is the man who is tall happy? o público assiste à angústia de Gondry para acabar o trabalho antes de uma possível morte de seu entrevistado.

“É óbvio que acabei a tempo. Ele gostou do resultado. Mas não o fiz para agradá-lo, não quero contentar ao retratado… Ainda lembro de uma discussão que tive com Thom Yorke [líder da banda Radiohead], quando ele não gostou de um vídeo meu. Atraem-me os documentários, e vejo mais esse tipo de filme do que os títulos de ficção, por seu trabalho de preservação. Encanta-me que me contem essas histórias. Com eles registramos algo para as seguintes gerações”.

De Chomsky, fica uma imagem de homem algo cansado, derrotado por ter se tornado viúvo. “Verdadeiro, já não ficam pessoas de sua idade, embora siga viajando, dando conferências. E ele é um dos dois únicos professores do M.I.T. que fizeram recentemente declarações políticas fortes. Ele não se importa perder seu lugar. Sua ética está acima disso”. Ao final, Gondry pergunta a Chomsky: o que te faz feliz? na  tela, o intelectual tem dificuldade em responder. O que faz Gondry feliz? “Qualquer trabalho artístico. Não me importo em estar horas e horas fazendo desenhos se ao final do dia posso ver um segundo desse filme em movimento. O processo criativo me apaixona”.
* Gregorio Belinchón foi enviado a Berlim pelo El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.

Dom Total

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