28/03/2014

ESPECIAL: Da Crimeia à Venezuela

Direito Internacional
Sebastien Kiwonghi Bizawu, doutor em Direito Internacional e professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, comenta situação atual na Ucrânia, Síria e Venezuela.
Bandeiras russas foram hasteadas no porto de Sevastopol, na Crimeia
Por Patrícia Azevedo
Repórter DomTotal

Duas semanas após o início da intervenção na Crimeia, crescem os rumores de uma possível guerra entre Rússia e Ucrânia, que poderia inclusive afetar o pacto mundial antiarma atômica. Na segunda-feira (24), o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Andrii Dechtchitsa, denunciou que há uma concentração de tropas russas na fronteira oriental do país. Na avaliação de Dechtchitsa, a situação é ainda ‘mais explosiva’ do que em 16 de março, quando Crimeia foi anexada pela Rússia. Segundo ele, se tropas invadirem a Ucrânia a partir das regiões orientais, será difícil impedir uma reação dos ucranianos.

No entanto, para o pesquisador Sebastien Kiwonghi Bizawu, doutor em Direito Internacional e professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, não haverá guerra. “Mesmo infringindo o Direito Internacional, a anexação da Crimeia é fato consumado. A Ucrânia deve continuar com a diplomacia internacional e buscar soluções no diálogo. Responder às provocações da Rússia, dando início a uma guerra na região, não é favorável no momento”, afirma Bizawu.

De acordo com o professor, a Ucrânia está debilitada do ponto de vista militar, após uma onda de protestos para derrubar o presidente ucraniano pró-Kremlin, Viktor Yanukovych, em fevereiro. Além disso, o país dificilmente teria apoio de outras nações em uma possível guerra. “A Ucrânia entraria sozinha e enfraquecida. União Europeia e Estados Unidos ainda se recuperam da crise econômica. Engajar tropas em uma intervenção militar, poderia gerar efeitos devastadores [do ponto de vista econômico]. E isso, nenhum país quer arriscar”, explica.

O professor não descarta, todavia, uma volta aos tempos de ‘Guerra Fria’. Ele prevê que os Estados Unidos irão reforçar seus exércitos na Europa, aumentando a tensão na região. “O que temos, no fundo, é uma questão geopolítica e geoestratégica. A Rússia quer recuperar antigos territórios que escaparam de seu controle, no momento de desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Já fez isso com a Geórgia, em 2008”, aponta.

O mesmo exemplo foi lembrado pelo presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchinov, na última semana. Segundo ele, os russos estavam provocando o seu país da mesma forma que fizeram com a Geórgia antes de partir para a guerra. Em 2008, o então presidente russo Dmitry Medvedev desafiou a pressão ocidental ao reconhecer a independência de duas regiões separatistas do país vizinho. “A Rússia não respeitou a integridade territorial da Geórgia, como não está respeitando no caso da Crimeia”, conclui Kiwonghi.

Violações

Para explicar o desrespeito ao Direito Internacional, o professor recorre à Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1945. O documento foi assinado por 50 países no encerramento da Conferência de San Francisco, fixando os estatutos da comunidade de nações. “Já nos artigos primeiro e segundo, ficam garantidas a integridade territorial e a independência dos Estados. Ao incentivar a divisão da Ucrânia e anexar a Crimeia, a Rússia infringe o Direito Internacional”, afirma. O referendo do dia 16 de março, realizado pela Rússia para legitimar a anexação, é igualmente ilegal, de acordo com o professor. Segundo ele, quem deveria autorizá-lo é o governo ucraniano.

“O referendo não respeitou a legislação da Ucrânia, um país independente, reconhecido pela ONU. Se a Crimeia fosse um Estado autônomo, poderia optar por pertencer à Rússia, tendo em vista o desejo da população local e os laços históricos. Mas não dessa forma”, esclarece Kiwonghi. 

O desejo da população, inclusive, vem sendo o principal argumento empregado pela Rússia para justificar o ato. De acordo com o último recenseamento, realizado em 2001, 58,5% da população da Crimeia têm origens russa; 22,4% de etnia ucraniana e 12,1% tártara. A herança histórica também possui grande peso, uma vez que o território em disputa pertenceu à Rússia até 1954. Neste ano, a Crimeia foi ‘dada de presente’ a então República Socialista Soviética da Ucrânia, em comemoração aos 300 anos de amizade entre os dois países. Com o colapso da União Soviética, a Crimeia tornou-se parte da Ucrânia contra a vontade da população.

Tendo em vista este cenário, a Rússia questiona o princípio da integridade territorial utilizando um argumento também expresso pela Carta da ONU: a autonomia dos povos. “Claro, há questões étnicas, religiosas e culturais envolvidas, a população da Crimeia quer retomar os laços com a Rússia. Mas repito: o princípio da autonomia dos povos somente poderia ser evocado se a Crimeia fosse um Estado autônomo. Como era parte da Ucrânia, o princípio integridade territorial prevalecia”, afirma.

Saídas

Como uma guerra contra a Rússia parece inviável no momento, o que a Ucrânia pode fazer para garantir seus direitos? A resposta de Kiwonghi Bizawu não é animadora: “ela pode tentar o diálogo e recorrer à ONU, o que já está sendo feito”. No entanto, a Rússia é um dos cinco países que possuem poder de veto no Conselho de Segurança, ao lado de China, Estados Unidos, França e Reino Unido.

“Dessa forma, nenhuma ação condenatória contra a Rússia, proposta pela instituição, irá vingar. Os demais membros devem optar por medidas econômicas, que chamamos de medidas coercitivas não militares. E ver se terá algum efeito. Mas já sabemos que, com esse tipo de medida, é a população pobre que sofre e não os dirigentes”, avalia Bizawu. Outra medida punitiva – que se mostra igualmente ineficaz – é impedir os cidadãos russos de entrar em outros países. “A maior parte da população não tem dinheiro para viajar”, completa.

Resta, de acordo com o professor, a escolha por não reconhecer a anexação da Crimeia, tornando o ato de reconhecimento unilateral [por parte da Rússia], sem validade legal no restante do mundo. 

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Redação Dom Total

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