Na luta pelo reconhecimento como berço histórico do Ceará, o bairro tem suas origens no ano de 1606
Prestes a completar 410 anos, a Barra do Ceará representa um símbolo de Fortaleza e, apesar dos problemas sociais que enfrenta, continua mantendo muito de sua beleza original. Especialmente na orla, chama atenção o encontro do rio com o mar. Como acontece todos os anos, uma série de atividades está sendo preparada para comemorar o aniversário do bairro no dia 25 de julho. Nas vésperas da festa, porém, um pedido: a retirada de uma espécie de cemitério de barcos, que vem trazendo sensação de insegurança.
Vicente Rodrigues de Lima, ou simplesmente Seu Vicente, constrói e conserta barcos no bairro durante 50 dos seus 81 anos. Autointitulado construtor naval, lamenta estar sem serviço há quase dez anos, "desde que acabou a lagosta", sobrevivendo apenas da aposentadoria. "Antes eu recebia dez, 20 barcos por ano", rememora. As lembranças do passado glorioso e o sonho de se reerguer se confundem com a própria história do bairro.
Histórico
Lutando pelo reconhecimento como berço histórico do Ceará, a Barra tem origens que remontam ao ano de 1606, quando o capitão-mor português Pero Coelho de Souza construiu o Fortim de São Tiago. Entre os anos 1930 e 1943, o bairro possuía um hidroporto. Em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas decretou o local onde ficavam as rampas para o embarque e desembarque de passageiros dos aviões que pousavam no Rio Ceará como patrimônio ambiental destinado a uso público.
É ao lado deste terreno de marinha que fica o trabalho do Seu Vicente. "O único estaleiro de pesca artesanal que ainda existe sou eu. E eu já fiz barco que hoje está na América", orgulha-se. Todos os seus colegas, segundo ele, quebraram ou já morreram. "Só quem está vivendo sou eu porque nunca comprei fiado", disse. "Tenho três pontes de safena, mas trabalho. Só estou pior porque não estou com serviço, mas tenho inteligência", ressalta. Mesmo vivendo tempos de trabalho escasso, o construtor naval ainda se permite sonhar.
Sentado numa rede ao lado do companheiro Branquinho, um cachorro "neto de cão policial", Seu Vicente mostra uma embarcação ancorada num pequeno píer que sai do estaleiro. "Eu estou com um projeto para o meu filho. Comprei um barco que vou reformar e fazer um trabalho de turismo de pesca. Mas ele está há sete anos parado, e tenho medo que se acabe", confessa. Contudo, ele é otimista. "Só peço a Deus mais uns três ou quatro anos de vida para poder entregar esse barco para o meu filho. O turismo no Ceará está só começando", garante.
A esperança por dias melhores é compartilhada por quem mora e trabalha na orla do bairro. Entretanto, a realidade atual demonstra o descaso. Na mesma área onde funcionava o hidroporto, hoje há apenas ferragens e entulhos e até barcos abandonados. O problema não é novo, mas preocupa a população que teme pela própria segurança. "Já morreram mais de 30 pessoas nesse lugar. Já fizeram vários abaixoassinados para tirar esses barcos e ninguém faz nada. É um cemitério de barcos e de gente", resume um funcionário de um estaleiro que não quis se identificar.
Com um comércio nas proximidades, Ana Coutinho se acostumou com a situação e até vê nela algumas vantagens. "Como fica bem na praia, não interfere em nada. E é até bom para os peixes. Tem pescador que mergulha lá e pega muito peixe", disse. Mas quando o assunto é segurança, ela reconhece: "Aqui tem muitos homicídios mesmo, por causa das drogas".
Barqueiros
Quem frequenta a área resiste. Por toda a orla, se vê pescadores jogando suas redes às margens do Rio Ceará. Os barqueiros que fazem a travessia do rio, entre Fortaleza e Caucaia, resistem, apesar da ponte que une os dois municípios. Há até aqueles que se reinventam e oferecem passeios ecológicos para grupos interessados.
Para comemorar as diversidades da Barra, seu passado histórico e também para chamar a atenção da sociedade e do poder público para a região tão bela quanto desprestigiada da Capital, moradores e lideranças preparam, como já é costume, mais uma série de atividades para o aniversário do bairro, que terá, inclusive, uma ação de limpeza da área costeira.
Diário do Nordeste
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