24/07/2014

Bastidores da televisão

Os bastidores da televisão e seus 'causos' internos e externos dariam um livraço.
Não temos mais críticos sérios de tv, diga-se de passagem.
Por Ricardo Soares*

Apesar de trabalhar em televisão desde 1988 (numa carreira em comunicação que começou dez anos antes) escrevo pouco sobre o tema. Não por falsa modéstia ou desinteresse. Por distração mesmo. Isso não quer dizer que o assunto não me entusiasme. Ao contrário. Apenas me desestimula as vezes em razão da ausência de debates sérios sobre o tema sempre eivados ou por equivocadíssimas visões acadêmicas ou por pitacos dados por colunistas irrelevantes da área mais interessados em mexericos e notinhas do que em discussões consistentes. Não temos mais críticos sérios de tv, diga-se de passagem. Os poucos não tem a menor idéia sequer das diferenças entre tv pública e tv comercial o que não é mérito deles visto que muitos dirigentes televisivos padecem do mesmo mal.O preâmbulo acima foi só para dizer que talvez fosse mais produtivo ao invés de modorrentas teses acadêmicas ou mexericos sobre celebridades os realizadores de televisão se reunirem num projeto para contar saborosas histórias e “causos” do veículo desde que foi por aqui inaugurado em 1950. Essas histórias iam com certeza ensinar mais aos estudantes de comunicação e novos profissionais da área do que muito bolodório retórico . Um livro à guisa do que fez há muito tempo em relação ao rádio o falecido Renato Murce .

Esse tema sobre o qual já pensei inúmeras vezes voltou a me inquietar quando assisti recentemente o veterano jornalista Goulart de Andrade no programa “Roda Viva” da Tv Cultura. Goulart, um repórter e um espécime em extinção, apesar de ter feito inúmeras concessões à sua credibilidade ao se deixar patrocinar e pautar por temas inócuos ou fúteis , é uma referência na profissão e aos 80 anos é mais jovem, curioso e vivo que muito almofadinha de terno e gravata com vinte e poucos anos que reproduz todos os dias o padrão vigente. O que faz Goulart jovem , além de sua inquietação ? crer que sempre é possível inovar, criar, reformatar. Suas histórias sobre o veículo são tão saborosas que o telespectador ficaria dias ouvindo com certeza.

É justamente isso que falta à bibliografia sobre televisão em nosso país. Um bom e caudaloso livro que reuniria as histórias de Goulart e outros tantos profissionais, famosos ou não, que ajudaram a fazer histórias da televisão. Boni fez isso em seu livro autobiográfico . Walter Clark contou muito para o Gabriel Priolli em outro livro. Nilton Travesso e Tuta contam todos os dias historietas na rádio Jovem Pan a respeito. Mas imaginem quantas histórias tem os profissionais veteranos e até os novatos? Eu tenho cá as minhas, algumas bem divertidas, e tantos outros grandes profissionais com quem convivi e trabalhei tem outro manancial. Gente que soube partilhar e entender que tv não é só sacerdócio, é trabalho de equipe, confiança recíproca e também aposta em ousadia. O que teria e tem para contar o Waltão Silveira, o Pedro Vieira, o Marco Antonio Coelho, o Roberto de Oliveira, o Gabriel Priolli, Marcelo Machado, Ninho Moraes, Delta de Negreiros , Valdir Zwetsch, Luca Paiva Mello, Ricardão Carvalho, Dagomir Marquezi ,Tânia Celidonio, Antonio Henrique Lago, Margareth Marroni, Cláudio Odri e tantas outras feras com quem troquei, aprendi, discordei mas sobretudo cresci ao lado deles ? Isso para falar dos mais próximos. Tem uma legião de gente a agregar histórias sensacionais sobre o assunto. Isso sem nem entrar na seara dos diretores de fotografia e cinegrafistas em geral. Isso sem nem chegar perto do pessoal de engenharia e programação e dos muitos mais como maquiadores, auxiliares, cabeleireiros, iluminadores, cenógrafos e o exército de produtores.

Os bastidores da televisão e seus “causos” internos e externos dariam um livraço. Tivesse eu condições financeiras, coragem e tempo adoraria mergulhar num projeto desses. Mas, teimoso que sou, me rendo às evidências da vida e continuo na minha modesta trincheira a crer, batalhar, tentar, arriscar, acertar e errar nos caminhos da comunicação pública . Um desafio que hoje em dia envolve no meu cotidiano não só a televisão como uma série de rádios , acervos históricos e internet. Não é pouca coisa não. Mas falar sobre isso fica para uma próxima ocasião.
Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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