17/07/2014

Grupos reprovam projeto de vagões exclusivos

Projeto aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo prevê separação nos horários de pico.
O Projeto de Lei 175 é alvo de rejeição por movimentos e entidades feministas.
Enquanto espera a sanção, ou o veto, do governador Geraldo Alckmin (PSDB), o projeto de lei que prevê a criação de vagões exclusivos para mulheres nos horários de pico na CPTM e no metrô, cujo objetivo é frear as agressões sexuais que acontecem corriqueiramente dentro dos trens, recebe críticas e fomenta um debate sobre a posição das mulheres diante do espaço público.

O Projeto de Lei 175, de 2013 foi aprovado no começo do mês pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) e, desde então, foi alvo de rejeição por movimentos e entidades feministas e grupos que atuam pela promoção dos direitos da mulher.

Nesta quarta-feira (16) foi realizado um "apitaço" contra a sanção do projeto pelo governador Geraldo Alckmin, na estação República do metrô. O protesto foi organizado pela Marcha Mundial das Mulheres. Para sexta-feira (18), está marcada outra manifestação, na Praça da Sé, às 17h.

“Essa medida vem com a intenção de ajudar as mulheres a não serem vitimas de violência dentro do metrô, mas você acaba confinando e não resolvendo o problema, que é garantir que a mulher ande com segurança, e não só no metrô, mas em todos os espaços. Não é que ela não seja uma medida bem vinda, mas ela é insuficiente, não resolve o problema”, afirma Gislaine Caresia, secretária-geral da Comissão Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

A advogada, assim como movimentos feministas atuantes em São Paulo, destacam que a medida dos vagões exclusivos provoca segregação entre os gêneros, e ainda contribui para a propagação de uma cultura que culpa e pune a vítima da agressão, ao invés do agressor.

“As mulheres são agredidas, molestadas. Então elas têm de se deslocar do espaço público e comum a todos para ficar num lugar específico designado a elas. É uma lógica de culpa que inverte o sentido da agressão”, afirma Thandara Santos, militante da MMM (Marcha Mundial das Mulheres). Ela afirma que, se o projeto for aprovado, o movimento irá se posicionar contra e programará ações de repúdio.

Para Gislaine, os vagões exclusivos condenam as mulheres em vez dos homens agressores. “Você condena a vítima a andar de forma apertada no transporte público para não ter que punir de fato aquele que anda no transporte público para abusar de mulheres.” Uma das ressalvas colocadas pelas entidades é sobre agressões que acontecem fora do espaço de exclusividade feminina no transporte público. Se uma mulher for agredida num vagão “misto”, as reações ao ocorrido podem ser perigosas.

“Ora, quando uma mulher é estuprada perguntam qual era o tamanho da saia dela; se apanha do marido perguntam o que ela fez para merecer. E não importa nada disso, o tamanho da saia dela, ou o que fez, ninguém  merece apanhar, ninguém merece ser abusada. e  se você receber um tipo de agressão fora deste vagão? Porque é impossível que todas as usuárias entrem nele. É bem possível que se ouça: mas porque não estava no vagão exclusivo?”

Na prática

O número de mulheres que utiliza o transporte coloca também o problema da operacionalização da medida, caso seja aprovada. A ANPtrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos) se posicionou contra a aprovação do projeto, e assinalou os principais problemas práticos colocados pela segregação de homens e mulheres nos trens. 

“Na visão dos operadores metroferroviários, não há como fazer esta reserva de vagões sem prejudicar todo o sistema de transporte, em especial, nos horários de maior movimento. A política de utilização de vagões exclusivos para mulheres já foi adotada no Rio de Janeiro e os dados existentes apontam a ineficiência da medida para tratar o problema”.

A cidade do Rio de Janeiro tem desde 2006 vagões do metrô voltados para mulheres nos horários de pico. Eles funcionam nos dias de semana das 6h às 9h e das 17h às 20h.  De acordo com relatório da Agetransp, a agência reguladora dos transportes do Estado, em cerca de 200 vistorias feitas em janeiro nos vagões femininos no metrô, foi registrada a presença masculina em 3,05% das vezes.

Já nos trens da SuperVia (trens urbanos do Rio), a situação é pior. Dos 1.612 vagões inspecionados em janeiro, havia homens em pelo menos 50% dos casos. O ramal de Japeri, cidade da Baixada Fluminense, registrou o maior percentual: em quase 80% das inspeções havia homens nos vagões exclusivos.

Atualmente, segundo a ANPtrilhos,  mais de 6,8 milhões de pessoas circulam diariamente nos trens e metrôs paulistas, sendo mais de 50% mulheres.

Entretanto, a Associação tem dúvidas sobre como garantir o embarque de mais de 3 milhões de mulheres em vagões específicos, especialmente nos horários de pico. “Como fazer com que esses 3 milhões de mulheres não se acumulem nas estações e seus entornos aguardando uma vaga em um dos carros femininos? Como garantir a fluidez do transporte numa situação como esta?”, argumenta Roberta Marchesi, superintendente da entidade.

Alternativas

Medidas como a maior fiscalização para a identificação de agressores através das câmaras de segurança, maior preparação dos agentes e funcionários do metrô para lidar com mulheres em situação de agressão e mais postos e delegacias das mulheres em estações, são algumas das propostas como alternativas para acabar com o assédio sexual no transporte público.

“Hoje, se você é agredida no metrô Itaquera, você tem que pegar o metrô até a Barra Funda (o outro lado da Linha Vermelha, a de maior aglomeração em São Paulo). Mais uma vez, penalizando a vítima, você deve ter um posto de atendimento à mulher e ao usuário do metrô em cada estação. Garantir números de funcionários que estejam presentes e bem preparados para lidar com isso.”
Última Instância

Nenhum comentário :

Postar um comentário