21/11/2014

Massacre dos jesuítas e despistes no Vaticano

21/11/2014  |  domtotal.com

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A estratégia de culpar guerrilheiros do massacre de 16 de novembro de 1989 chegaram até o Vaticano.

Por Gianni Valente

Na noite de 16 de novembro de 25 anos atrás, quando em San Salvador os soldados do batalhão antiguerrilha Atlacatl massacraram seis jesuítas da Universidade Centro-Americana (UCA), junto com a cozinheira e a sua filha de 15 anos, na Europa ainda estava se festejando a queda do Muro de Berlim, ocorrida 10 dias antes.


O grupo de fogo formado nos EUA, que executou o massacre materialmente, havia sido enviado para eliminar os jesuítas como “delinquentes terroristas” e havia posto em prática dispositivos de vários tipos – das armas usadas às inscrições de reivindicação feitas nas paredes – para fazer com que a responsabilidade do massacre caísse sobre os guerrilheiros da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN).


Nos anos seguintes, com base nas investigações, nas confissões e também no Relatório da Comissão Especial da ONU sobre os massacres em El Salvador – publicado em 1993 –, surgiram as responsabilidades dos mandantes (ligados à cúpula do Exército salvadorenho), bem como os detalhes sobre as conivências e as coberturas que entraram em jogo para apoiar as operações de despiste.


Entre elas, havia também a manobra de desvio praticado por setores da Igreja salvadorenha contra o Vaticano. Um episódio que revela o clima eclesial do tempo, mas não só.


O principal protagonista da operação foi Romeo Tovar Astorga, então bispo de Zacatecoluca, que na época também era presidente da Conferência Episcopal Salvadorenha. Um mês após o massacre do UCA, o eclesiástico deixou El Salvador rumo a Roma, com a intenção visada de convencer a Santa Sé de que quem matou o reitor Ignacio Ellacuría, os seus cinco coirmãos e as pobres Elba e Celina haviam sido os marxistas do FMLN.


Ele trazia consigo um “book” fotográfico, construído segundo os formatos em que são produzidos os dossiês dos serviços secretos. As imagens retratavam, acima de tudo, crianças salvadorenhas empunhando armas, apresentadas como vítimas do plágio dos guerrilheiros.


A “mission” perseguida pelo bispo salvadorenha foi relatada sem reticências por ele mesmo em uma entrevista publicada pela revista 30 Giorni em janeiro de 1990. “Infelizmente”, explicava Tovar Astorga, “a desinformação pesa muito mais do que a informação. Por isso, vim ao Vaticano para que a Santa Sé saiba o que realmente está acontecendo em El Salvador”.


O único argumento que o bispo expunha como elemento comprovador para convencer os seus interlocutores no Vaticano sobre a matriz guerrilheira do massacre era o mero esquema lógico do “cui prodest”: “Como não conheço os autores desse crime”, explicava com determinação o presidente dos bispos salvadorenhos, “acredito que devemos recorrer ao senso comum. A quem prejudicou o assassinato dos jesuítas? À FMLN ou ao governo? É claro que prejudicou o governo. Ao contrário, foi uma vitória política para a FMLN, já que, no exterior, acusam-se o governo, os militares por esse crime. Mas dentro de El Salvador nos perguntamos: se isso causou danos apenas ao governo, e lucro apenas para a FMLN, quem pode ter sido o autor?”.


O resto das argumentações também era composto por deduções silogísticas, temperadas com considerações sobre os vícios e os crimes do comunismo internacional. Segundo Tovar Astorga, Ellacuría e os seus coirmãos, atacados pelos setores da ultradireita oligárquica como apoiadores da guerrilha – a tal ponto que, alguns dias antes do massacre, uma rádio próxima do governo havia pedido explicitamente a morte do reitor –, na realidade, haviam sido mortos pelos marxistas, porque Ellacuría havia aceitado dialogar com o presidente Arturo Cristiani, na tentativa de contribuir com as frágeis tentativas de sair da guerra civil.


“Na URSS, Cuba, Nicarágua”, acrescentava o bispo, com aproximações consideradas por ele como convincentes, “sempre houve expurgos nos partidos comunistas. Quando uma pessoa deixa de servir à ideologia marxista, é purgada. Isso se encaixa plenamente nos métodos da práxis comunista: eliminar quem não serve mais”.


O episódio da missão vaticana do bispo Tovar Astorga representa bem o modus operandi com o qual círculos eclesiásticos geriram e condicionaram por um longo tempo as relações entre a Santa Sé e o catolicismo latino-americano. Entre dossiês falsos, jogos de poder e conivências ativadas na base de afinidades ideológicas.


Uma mistura que, às vezes, tornou pouco lúcido também o olhar com que, naqueles anos, por parte do Vaticano, se olhava para as convulsões e as tragédias da América Latina. “Se, na Europa oriental, o perseguidor normalmente é um ateu, o drama da América Latina é que o opressor é um irmão cristão”: assim disse, em uma entrevista publicada na revista 30 Giorni, na primavera de 1993, o prepósito geral dos jesuítas, Peter-Hans Kolvenbach, sugerindo a vertiginosa conotação do martírio infligido aos seus coirmãos massacrados em El Salvador.


La Stampa, 16-11-2014.

 



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