09/11/2014

País celebra união 25 anos após queda do Muro de Berlim

Dia histórico culminou com a união das duas Alemanhas, criando as bases para o país se tornar uma potência

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O Portão de Brandemburgo é um dos pontos onde serão erguidos balões e colocados painéis com cem histórias de quem viveu na Alemanha dividida e de pessoas que morreram tentando atravessar para Berlim Ocidental
FOTO: DANIEL BUCHE
O Muro de Berlim foi um dos símbolos da divisão do mundo entre socialistas e capitalistas nos anos da Guerra Fria. Já sua queda, que completa 25 anos neste domingo, foi a materialização da derrocada da União Soviética e do início de uma nova era para a Alemanha.
Erguido em 13 de agosto de 1961, o paredão de 155 km separava a Alemanha Oriental da Ocidental. A barreira física, além de segregar a cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos ou partes: República Federal da Alemanha (RFA), formada pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos; e a República Democrática Alemã (RDA), constituída pelos países socialistas simpatizantes do regime soviético. Na noite de 9 de novembro de 1989, enquanto o trôpego governo comunista da Alemanha Oriental renunciava, a muralha começou literalmente a ser derrubada por uma multidão de ambos os lados que ansiava por democracia e livre mercado.
Para o coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, no Rio de Janeiro, José Luís Niemeyer, a queda do Muro de Berlim não marca o fim da Guerra Fria, mas é um fator simbólico importante por ter possibilitado a união física das duas Alemanhas, criando as bases para o país se tornar a potência que é na atualidade. "A Alemanha tem conseguido aproveitar o que tinha de bom na Alemanha Oriental, equilibrando as políticas públicas na área social e apresentando um potencial de crescimento", avaliou Niemeyer.
O pesquisador do Observatório das Nacionalidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Manoel Domingos, avalia que depois da queda do Muro, a Alemanha voltou a garantir uma projeção que havia perdido após a derrota na Segunda Guerra Mundial, em 1945.
"A Alemanha dividida e derrotada deixou de contar no tabuleiro da política mundial. Ela era peça secundária da bipolaridade. Depois da queda do Muro, ela está voltando a ganhar peso na nova ordem multipolar e, hoje, é uma potência dominante. É o motor da União Europeia", analisou o especialista.
A coordenadora do Observatório das Nacionalidades, Mônica Martins, considera interessante a liderança alemã, no século XXI, como oposição para construir um mundo multipolar. Comandado pela chanceler Angela Merkel, a professora avalia que o país exerce grande influência no continente europeu e no diálogo com outras potências mundiais.
Em contrapartida, Niemeyer lembra que, comparada a outras potências, o país não é membro da Organização das Nações Unidas (ONU) e, do ponto de vista estratégico-militar, é pouco relevante. Como ficou muito tempo à margem do processo civilizatório moderno, o professor acredita que a Alemanha tenha optado pelo caminho da cooperação e não do conflito. "É uma sociedade que tenta preservar o diálogo e valores que são essenciais para a modernidade".
Depois de 25 anos da queda do muro, a Europa ainda é o lugar mais seguro e de melhor qualidade de vida, na média. Não é a região que mais cresce, mas é ainda o sonho de quem quer uma vida melhor. Essas relativas paz e prosperidade são garantidas pela Alemanha, o país que mais restrições faz hoje a qualquer envolvimento militar no cenário mundial.
Recordações
Pouco antes do aniversário de 25 anos da queda do muro, alemães lembram como era a vida separada pela muralha.
A servidora pública alemã Ines Jeeger cresceu às margens da barreira de concreto. "A gente via pessoas tentando atravessar, e a repressão da polícia era sempre violenta. Mas para a gente aquilo era normal. A gente já estava acostumado com aquele cenário", lembra.
Ela conta emocionada que quando, pela primeira vez, pisou no lado Leste da Alemanha, ficou impressionada. "As pessoas, no lado Leste, estavam pálidas e tristes. As cidades estavam totalmente destruídas. Eu chorei muito ao ver aquela situação".
O aposentado Frank Mehler também vivenciou a Alemanha dividida. Para ele, a separação entre Leste e Oeste foi muito além do Muro. "A Alemanha Ocidental, capitalista, alcançou um desenvolvimento econômico muito maior. As pessoas tinham uma vida completamente diferente daquelas que viviam na parte Leste", lembra.
Para ele, as diferenças econômicas e sociais ainda persistem. "É bom celebrarmos esses 25 anos para nos lembrar de que avançamos muito, mas ainda há muito o que fazer para que sejamos uma Alemanha cada vez mais igual", disse Mehler.
Alemanha prepara comemoração
No Portão de Brandemburgo, em Berlim, capital da Alemanha, lembranças de um triste passado de divisão se misturam aos últimos preparativos para a celebração da liberdade. Uma grande festa pública vai ocorrer no local, neste domingo.
No espaço onde ficava o Muro, uma linha foi montada com 8 mil balões brancos, que, na noite de sexta-feira, foram iluminados. Neste domingo, serão lançados aos céus numa homenagem à paz e à unidade. Ao longo da linha, que tem 15 quilômetros, a exposição As 100 Histórias do Muro chama a atenção dos turistas. Cada parada, conta uma história de luta e resistência.
"Estou muito impressionado. Eu me lembro de assistir à queda do Muro de Berlim pela TV, mas estar aqui e poder ver por meio desses balões onde exatamente ficava o muro; poder conhecer mais do que as pessoas viveram por meio dessas histórias, é muito emocionante", conta o designer britânico Paul Anthony.
Cada balão da chamada Barreira de Luz tem um patrono. São testemunhas daquele momento histórico, convidadas a dividir suas histórias por meio de um site, o www.Fallofthewall25.Com. Também nesta página, pessoas do mundo inteiro que acompanharam a queda do Muro podem deixar mensagens e depoimentos.
No Portão de Brandemburgo, símbolo da união para os alemães, um imenso palco foi montado para abrigar apresentações artísticas. A alegria e a excitação se misturam às lembranças de um período de sofrimento.
Um telão exibe filmes antigos, em preto e branco, com cenas brutais de opressão e violência contra os que tentavam atravessar o muro. Cruzes em homenagem aos que morreram na resistência foram posicionadas nas proximidades.
PROTAGONISTA
O mundo havia mudado
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Independentemente da queda do muro, o mundo já era outro. Nem todos davam conta disso em meio à velocidade dos acontecimentos. Saí pela primeira vez da República Democrática Alemã (RDA) ainda em junho de 1988, quando fui representar meu país na Olimpíada Internacional de Física, realizada na Áustria. Na ocasião, um professor da Áustria me ofereceu uma bolsa para estudar física fora da RDA.
Criado em um ambiente onde o marxismo-leninismo fez parte do currículo obrigatório na escola, decidi não ficar na Áustria e voltar com a minha equipe para a Alemanha Oriental. Naquele momento, a pena para os que fugiam com sucesso para o lado ocidental do País era não voltar por 15 anos para a RDA, sem poder ver a própria família. Mesmo com esse fato, cerca de um milhão, dos 17 milhões de habitantes da Alemanha Oriental, decidiu, por diferentes caminhos, sair da pátria nos anos 1988-1989 até o dia 9 de novembro, quando o muro caiu.
A partir de setembro de 1989, em vez de participar das atividades da tal chamada virada (die Wende), decidi cumprir o serviço obrigatório no Exército, com duração de 12 meses, prazo relativamente curto definido pelas autoridades para futuros estudantes de física e eletrônica, o que era meu caso. A redução do serviço militar obrigatório fazia parte da estratégia do governo para combater a dominação ocidental nessas áreas. De tal forma que, na noite do dia 9/11/1989, estava cumprindo o serviço de guarda na base militar em Hagenow, aproximadamente 200 quilômetros ao norte de Berlim, na antiga RDA, distante 30 quilômetros da fronteira entre Alemanha Ocidental e Oriental. Aos 18 anos, como vigia fortemente armado em uma base militar, com restrições de acesso à informação, não lembro se na data eu de algum jeito realizei ou refleti a importância daquele dia para o mundo e para o nosso futuro.
 
Saí da minha base militar, pelo que lembro, em 3 de dezembro de 1989, para uma folga de 48 horas. Era um sábado quando atravessei pela primeira vez na vida a fronteira para Berlim ocidental, perto de Falkensee. Nessa primeira entrada para o lado Ocidental, qualquer cidadão da RDA, portando documento de identidade (DDR Personalausweiss) recebeu 100 marcos (DM). Para efeitos de comparação, em 1999, 1 euro valeu cerca de 2 DM. Naquele dia, vi milhares de cidadãos da minha RDA procurando e achando produtos baratos nas lojas ocidentais que ofereceram uma variedade e qualidade muito maior do que a que havia na economicamente atrasada parte Oriental da Alemanha.
 
Decidi sair dessa multidão, mas ainda comprei com os 100 DM que recebi um par de sapatos da Adidas, pois corrida de longa distância era minha paixão. Também fui com meu irmão visitar o estádio olímpico dos jogos de 1936. No dia seguinte, voltei ao meu serviço. Mas frente a um mundo que se abria a um rapaz de 18 anos, não fiquei interessado em logo conhecer a parte ocidental da Alemanha. Preferi seguir outros caminhos que estavam a espera de ser conhecidos.
 
Thomas Wilcke
Médico pediatra, Também formado em Física, nasceu em 12 de maio de 1971 na República Democrática Alemã. Hoje vive em Lisboa.
ARTE INTER 1
Diário do Nordeste

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