21/12/2014

Natal sem ilusões

Padre Manfredo Araújo de Oliveira*



Nossa sociedade vive dias perturbados. Por um lado, uma sociedade centrada no ideal do consumo ilimitado para quem a preocupação com as causas comuns é coisa ultrapassada. Esta sociedade perdeu o Natal apesar de ele estar presente em todos os lugares. Na realidade, a festa cristã do nascimento de Jesus não existe mais: para tantos não significa mais nada como proposta de vida. Diante da atração irresistível de um consumo frenético nem os grandes problemas humanos conseguem levar os seres humanos a penetrar em profundidade o mistério da existência humana com tudo o que isto implica. Aqui a resistência só pode consistir numa memória que exige de nós a coragem de por diante dos olhos as sombras de nossas vidas, os sofrimentos humanos e a devastação do planeta: a fome endêmica de milhões, uma globalização que gera dominação econômica e cultural com a perda de identidades e valores de tantos povos violentados pelo pensamento único da sociedade consumista, as guerras estúpidas, o avanço da extrema pobreza e a desigualdade social num mundo portador de um grande potencial para superar esta formas de morte que assolam a humanidade.


Nas manifestações do ano passado e nos debates eleitorais deste ano emergiram os grandes sonhos que nos marcam neste momento e que em princípio se encaminham na direção de uma mudança substancial da qualidade de vida do povo brasileiro: alteração radical do sistema tributário que forneça a base para o combate à nossa desigualdade já julgada irremovível, uma contraposição enérgica à oligopolização da economia, um projeto consistente de reforma agrária, a universalização dos serviços públicos de qualidade (incluindo saneamento e segurança), um posicionamento coerente frente à grande crise ecológica, a reconstrução da democracia através dos mecanismos da democracia participativa, resistência persistente à dominação dos povos de cultura não-ocidental, índios e afrodescendentes, jamais enfrentada com seriedade em nossa história.


Isto implica a acolhida a propostas que não se reduzem a escolha de meios para realizar fins sociais já pré-estabelecidos, mas antes que têm como objetivo debater os próprios fins básicos que devem marcar a configuração de nossa vida coletiva. As pessoas certamente não saíram às ruas para defender austeridade fiscal, superávit primário, câmbio flutuante e a autonomia do Banco Central, mas uma agenda que pressupõe um outro modelo de sociedade. O eixo das reivindicações foi um eixo social: transporte público, educação e saúde públicas de qualidade e segurança.


Só pode celebrar verdadeiramente esta festa quem põe em seu centro a grandeza da vida humana, quem se engaja para eliminar as diferentes mortes e se une a todos os que lutam para partilhar pão, terra, trabalho, escola, moradia, água, beleza, vida, direitos, um planeta saudável. Esta celebração significa proclamar que a enorme esperança que nos deve marcar neste momento só poderá efetivar-se se formos capazes de por os grandes valores da vida humana acima de nossos interesses privados e num grande mutirão de solidariedade lutarmos juntos por transformações profundas para afirmar o humano e a natureza.


*Filósofo e professor da UFC – manfredo.oliveira2012@gmail.com



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