16/01/2015

Amores, abelhas e zangões


A espontaneidade vai perdendo de goleada para os temores, protocolos e precauções.





Por Fernando Fabbrini*


(Para meu amigo e também cronista Tião Martins, grande estudioso da espécie.) 


Outro dia, nos Estados Unidos, uma criança – menino – quase foi processada pelos pais de outra criança – menina – só porque lascou uma rápida beijoca nas bochechas da garotinha. Aconteceu na hora do recreio, quando os dois voltavam da gangorra, suadinhos e felizes. Nossa! Homens e mulheres. Está ficando esquisito esse troço, não? Parece que o pessoal anda cada vez mais de pé atrás, mergulhado na desconfiança.  A espontaneidade vai perdendo de goleada para os temores, protocolos e precauções. Diante da mais inocente abordagem de outro ser humano tem gente que logo se arrepia: será assalto ou baixaria?


Claro que entendo a questão. Circulam por aí trogloditas e safados de toda espécie e as mulheres – sobretudo elas – precisam mesmo se precaver. Mas… Estariam os homens desaprendendo a fina arte da sedução com honestos fins românticos? Para complicar, passamos a viver na era do espetáculo. O Amor Simples e Sincero, aquele gostoso, vem sendo substituído pelas performances do Amor Show Sensacional: pedidos de casamento escritos no céu pela Esquadrilha da Fumaça, entrega de alianças por meio de um falcão no Taj Mahal, chuvas de tulipas holandesas e corações de chocolates para exibição posterior no Facebook.  Ora: quer dizer que o amor então só vale se for exagerado, pirotécnico e com mídia mundial? Pobres homens! Haja criatividade. E elas reclamam mesmo: segundo frequentes queixas femininas, poucos ainda sabem namorar, tecer rodeios, espalhar agrados e surpresas pelo caminho. O erro primário é a pressa de chegar; querem tudo logo e de uma vez. Outro segmento em expansão é o dos caras que refugam ao primeiro obstáculo imposto pelas moças. Falha grave. Alguém precisa avisá-los que as mulheres são assim mesmo, adoram testar-nos.


Reafirmei essa tese depois que andei lendo sobre a vida sentimental das abelhas. Aprendi muito. Por exemplo: descobri que na hora de escolher o maridão Dona Abelha Rainha informa aos zangões pretendentes que sairá em seu voo nupcial numa linda manhã. Oba! Na colmeia, o agito é geral. Os machos fazem mil abdominais, penteiam as antenas, lustram os ferrões – se é este o nome correto do instrumento. Quando a Abelha Rainha decola, fresca e deslumbrante, os zangões voam atrás, animadíssimos, acompanhando-a numa espiral ascendente sem fim.


Ou tentam, quero dizer. Porque graças à dieta exclusiva de geleia real, colágenos, hidratantes, esfoliantes, anti-agings e outros cremes que usa diariamente – além de horas e horas de cross-fit – a Abelha Rainha é muito mais forte e resistente. Pode voar mais alto e por muito mais tempo. Pouco a pouco, os zangões mais fracos vão desistindo da empreitada. Dizem que alguns abandonam a colmeia, deprimidos, ficam viciados em própolis e passam a perseguir velhinhos no parque, só de sacanagem. E Dona Rainha, a desejada, aceitará dividir o pólen de cada dia com o mais insistente dos zangões, aquele que a seguiu, bufando, sem pedir arrego, discutindo a relação todas as vezes que ela exigiu. Provou ser o parceiro ideal – para morrer de exaustão, coitado, ao final da primeira noite de tórridos zumbidos.


Enfim, é isso, rapazes: uma luta diária, um esforço permanente e muito fair-play. Zangões que não se zangam à toa e sabem apreciar o voo das Rainhas descobrem que ao lado delas a vida pode ser doce como o mel.  Mesmo que levemos umas ferroadas de vez em quando.



Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.


http://goo.gl/cLgF60

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