É assustador o tamanho dessa passividade (ou seria afinidade?) dos
brasileiros com a falta de educação.
O carro entrou acelerado pela contramão da praça, derrapou e subiu no canteiro central. Felizmente, ninguém se feriu. Por coincidência, havia um policial militar fardado a menos de dez passos, conversando com uma bela morena. Interrompido no seu colóquio sedutor e visivelmente contrariado, o policial dirigiu-se lentamente ao acidentado. Olhou aqui, ali, fez cara feia e, dedo em riste, com inconfundível sotaque nordestino, disse ao motorista, um garoto menor de idade:
—Está documentado? Olhe que lhe peço os documentos, hein?
Feita a ameaça – e nada mais – retornou ao local onde o aguardava a paquera, retomando novamente o papo. Presenciei esse fato divertido tempos atrás em Aracaju, Sergipe, e tal cena sempre me vem à cabeça quando penso em coisas desse Brasil legal e ilegal.
Será este país um adolescente tardio que resiste bravamente em ser educado, seguindo as mais primárias regras de convivência?
Durante mais de trinta anos fui publicitário. Quando surgia uma campanha de caráter “educativo” minhas vísceras se reviravam, antevendo o engodo. Ora: campanha educativa aqui só funcionaria se o Brasil fosse invadido por marcianos, exigindo então medidas urgentes de convivência interplanetária – e olhe lá. No resto, com raríssimas exceções, campanhas educativas que levam os verbos “respeite” ou “colabore” são pura perda de tempo e dinheiro. Quem as sugere finge que tomou uma providência pelo bem geral. Já o chamado público-alvo faz de conta que captou a mensagem – e tudo continua na lesma lerda.
Uma grande indústria estava alarmada com casos crescentes de furto de talheres nos seus restaurantes. Eram talheres bons, de metal, trazendo um prejuízo incômodo. Prepararam uma imensa campanha educativa. E adiantou? Resolvemos meter o bico:
—Essa grana toda em filmes e banners só para dizer aos empregados que não é legal roubar? Resumindo: os furtos de talheres cessaram já no dia seguinte com os dizeres de um simples cartaz: “Devido ao grande número de talheres extraviados, a partir desta data a devolução será vigiada”.
De outra feita, fomos convocados a tentar sensibilizar jovens e adultos para os perigos de soltar pipa com cerol. Coitados! Tão inocentes! Como poderiam imaginar que moer vidro com cuidado e grudá-lo nas linhas poderia cortar pescoços e matar motoqueiros? Nossa! Jamais alguém os avisou disso, pobrezinhos! Sugerimos ao interlocutor, um militar graduado, que pusesse a tropa na rua, olhando para cima. Onde houvesse uma pipa, haveria alguém segurando a linha. Tinha cerol? Tava ferrado. Era só um caso de polícia. “Ah, não – respondeu o oficial – Isso não é legal”.
É assustador o tamanho dessa passividade (ou seria afinidade?) dos brasileiros com a falta de educação, essa Grande Mãe da transgressão – seja em escala modesta ou em dimensões continentais, mensaleiras e petroleiras. Ao invés de simplesmente cumprir a lei, o Brasil prefere ser legal, como o guarda de trânsito sergipano. Conversa-se aqui e ali, e todo mundo segue amigo. Beleza?
As linhas de cerol continuarão cortando gargantas? Os balões incendiários flutuarão impunes atrapalhando aviões, caindo sobre casas e florestas? Os motoristas bêbados continuarão matando e respondendo em liberdade? Seu vizinho dará mais festas com música e gritaria até às quatro da manhã? O torcedor fanático soltará rojões intermináveis na madrugada porque está felicíssimo? Pelo atual código brasileiro de educação, a maioria acha melhor ficar caladinha. Não é legal reclamar.
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