15/01/2015


Terrorismo de Estado e cultura do descarte


Em discurso, papa Francisco lembra que as ações violentas tem diversas origens.



Por Sandro Magister

O papa Francisco expressou sua primeira reação ao massacre de Paris no início da missa da quinta-feira da semana passada, 8 de janeiro, na capela da Casa Santa Marta, quando disse que esse ato de crueldade “nos faz pensar tanto no terrorismo isolado, quanto no terrorismo de Estado”.


E era a segunda vez em poucas semanas que Francisco associava, na condenação do terrorismo propriamente dito, também a do “terrorismo de Estado”. A última vez que ele tinha feito isso havia sido durante o voo de volta de Estrasburgo, no dia 25 de novembro, e não fizera segredo de considerar o “terrorismo de Estado” mais perigoso do que o outro:


“É verdade, há a ameaça desses terroristas. Mas há também outra ameaça, e é o terrorismo de Estado, quando as coisas sobem, sobem, sobem, e cada Estado, por conta própria, sente que tem o direito de massacrar os terroristas, e com os terroristas caem muitos que são inocentes.”


No dia 25 de novembro, a alusão levava a pensar em Israel, enquanto, no dia 8 de janeiro, não estava claro em quem ele mirava, nem especialmente qual era a opinião de conjunto de Jorge Mario Bergoglio sobre a ofensiva global travada pelas correntes islâmicas mais radicais, uma ofensiva que a revista La Civiltà Cattolica não hesitou em definir como “guerra religiosa”.


Sobre esse julgamento, agora se sabe algo mais depois do discurso que o papa Francisco dirigiu ao corpo diplomático credenciado junto à Santa Sé, na manhã de segunda-feira, 12 de janeiro.


Referindo-se primeiro ao massacre das mais de 100 crianças em uma escola do Paquistão e, depois, ao massacre de Paris e, depois, ainda, à “propagação do terrorismo fundamentalista” na Síria e no Iraque, o papa Francisco conduziu tudo isso a uma escravidão “ora das modas, ora do poder, ora do dinheiro, às vezes até de formas enganosas de religião”. Mas a razão última dessas violências ele manifestou da seguinte forma:


“Tal fenômeno é consequência da cultura do descarte aplicada a Deus. Na verdade, o fundamentalismo religioso, ainda antes de descartar os seres humanos perpetrando horrendos massacres, rejeita o próprio Deus, relegando-O a mero pretexto ideológico. (…) Ao instar a comunidade internacional para que não fique indiferente diante de tal situação, espero que os líderes religiosos, políticos e intelectuais, especialmente muçulmanos, condenem qualquer interpretação fundamentalista e extremista da religião voltada a justificar tais atos de violência.”


Algumas linhas mais adiante, no discurso ao corpo diplomático, Francisco lembrou também as “brutalidades” que ocorrem na Nigéria, denunciando “o trágico fenômeno do sequestro de pessoas, muitas vezes de jovens raptadas para serem objeto de comercialização”. Mas falou disso como de um “execrável comércio”, desvinculado de fatores religiosos.


No conjunto, o papa se manteve muito longe de qualquer denúncia das raízes de violência presentes no Islã e da ausência de uma exegese do Alcorão capaz de neutralizá-las. A “cultura do descarte”, como chave interpretativa, parece totalmente estranha, não só ao que foi dito por Bento XVI em Regensburg, mas também ao explosivo discurso do dia 1º de janeiro deste ano do general egípcio al-Sisi aos estudiosos da al-Azhar.


O professor Angelo Panebianco, especialista em política internacional, desmascarou os enganos dos esquemas “politicamente corretos” que preconceituosamente dissociam os violentos e as violências do “verdadeiro” Islã pacífico, em um editorial publicado no Corriere della Sera na mesma manhã do discurso de Francisco ao corpo diplomático.


Mas ainda mais pertinentes parecem ser as observações críticas do jesuíta islamólogo egípcio Samir Khalil Samir, em uma conversa com Matteo Matzuzzi no jornal Il Foglio, do dia 10 de janeiro. O padre Samir era o especialista mais ouvido de Joseph Ratzinger, em matéria de Islã. Enquanto Francisco o ignora, apesar de terem em comum a Companhia de Jesus.


Leia também:A verdade sobre o Islã, segundo um jesuíta



Settimo Cielo, 12-01-2015.

 



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