27/01/2015

Padres cientistas: cruzamento entre fé e razão


Há uma grande tradição de padres que foram também grandes cientistas. Confira alguns exemplos.




Por John Farrell*

O astrônomo vaticano Guy Consolmagno, SJ, ganhador do prêmio Carl Sagan 2014, tem familiaridade com o debate em torno da relação entre ciência e religião. A harmonia profunda entre fé e razão é um ponto que Consolmagno gosta de enfatizar em palestras e livros que publica


Talvez sejamos tentados a considerar Consolmagno como um pássaro raro: um irmão jesuíta formado em ciências assim como em teologia. Mas, na verdade, há uma grande tradição de padres que foram também grandes cientistas ao longo da história da Igreja.

Abaixo vão alguns dos destaques.


Gerberto de Aurillac (946-1003)


O primeiro papa “geek” escolheu o nome de Silvestre II quando foi eleito para ocupar o lugar de São Pedro. Tendo estudado na Espanha, Gerberto foi professor na Escola Católica de Rheim, na França, onde passou adiante os seus conhecimentos recém-adquiridos dos numerais e do astrolábio árabes. Ele também manufaturou um modelo esférico dos céus. Conhecido como uma esfera armilar, o “brinquedo” de Gerberto simulava os movimentos das estrelas e dos planetas girando ao redor da terra e empregou fios presos à esfera para mapear as constelações.


Christoph Scheiner (1573-1650)


Padre jesuíta, Scheiner inspirou-se nas observações de Galileu das luas de Júpiter para fazer o seu próprio telescópio e investigar as manchas solares. O seu primeiro livro deu início a uma disputa a respeito da natureza fundamental delas. Numa série de cartas, Galileu o convenceu que as manchas solares se originavam na superfície do sol e eram, na verdade, manifestações de sua mudança de estado. Scheiner veio a concordar.


Alguns anos mais tarde, quando Galileu atacou os seus rivais por escrito – sem nomeá-los – Scheiner considerou que alguns dizeres se referiam a ele próprio, e então atacou Galileu num livro mais abrangente sobre as manchas solares em 1630. Isto provavelmente não ajudou no caso de Galileu quando este foi trazido diante da Inquisição por defender o heliocentrismo em 1633. Em Scheiner, ele perdeu um aliado que poderia ter sido valioso em sua própria defesa.


Padre Lazzaro Spallanzani (1729-1799)


Padre italiano e biólogo Spallanzani foi o primeiro a detalhar o processo de digestão humano em termos químicos. Também investigou a reprodução animal e conduziu a primeira inseminação artificial bem-sucedida com mamíferos.


Realizou experimentos para refutar um resquício da Idade Média: a crença na geração espontânea segundo a qual a vida poderia se originar a partir de matéria sem vida. Em nossa época, quando a origem da vida é um dos desafios mais difíceis que a ciência moderna enfrenta, é interessante notar que os teólogos (inclusive Tomás de Aquino) nunca aceitaram a ideia de que a vida pudesse simplesmente aparecer do nada.


Gregor Mendel (1822-1884)


Mendel foi um monge agostiniano que realizou experimentos em seu monastério, cruzando ervilhas para ver como os traços individuais eram passados adiante de geração a geração. De suas observações, ele derivou o que veio a ser conhecido como as leis da herança genética. Aliás, Mendel é conhecido como o Pai da Genética.


Mas poucas pessoas sabem que este cientista imediatamente percebeu a importância de seus achados para a teoria da evolução, embora ele e Darwin jamais tivessem se encontrado ou correspondido. Mendel tinha lido “Sobre a origem das espécies”, mas Darwin – muito embora possuísse um livro que incluía um resumo do trabalho de Mendel – nunca leu sobre as descobertas inovadoras de seu contemporâneo. É tentador imaginar o que poderia ter acontecido caso ele tivesse lido.


Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955)


Com formação em geologia, o jesuíta nascido na França passou muitos anos na China investigando os remanescentes fósseis dos primeiros hominídeos, incluindo um achado que continua sendo uma das maiores descobertas daquilo que mais tarde se determinou como fósseis do Homo Erectus.


Teilhard foi também um visionário e uma espécie de místico. Durante o curso de sua vida, ele forjou uma grande síntese teológica do cristianismo e da evolução em vários livros e trabalhos – nenhum dos quais foi publicado até a data de sua morte. Isto se deu pela natureza controversa de algumas de suas ideias.


À luz de seus próprios achados e do estado da biologia evolutiva na época, Teilhard aventurou-se em sugerir que a natureza caída da humanidade, um componente tão fundamental da doutrina cristã, não precisava estar casada com um entendimento literal da Queda de Adão e Eva, como é relatada na Bíblia. Esta ideia o colocou em apuros junto a seus superiores jesuítas, mas também com a Congregação do Índex, que se recusou a deixar Teilhard publicar os seus livros.


Apesar destas dificuldades, este jesuíta continuou trabalhando, e na década posterior à sua morte suas ideias tiveram uma influência enorme em muitos teólogos (incluindo o Papa Bento XVI) e até mesmo em documentos do Vaticano II.


Georges Lemaître (1894-1966)


Padre e físico belga conhecido como o Pai do Big Bang. Provavelmente Lemaître teria compartilhado o Prêmio Nobel caso tivesse vivido o suficiente. Uma revista em sua obra revela que o seu papel no Big Bang contém avanços mais significativos ainda.


Em 1927, ele derivou a Lei de Hubble sobre a expansão cósmica dois anos antes do astrônomo americano Edwin Hubble tê-la feito. Lemaître foi o primeiro a defender a noção de que a constante cosmológica de Einstein representava uma força física que poderia ser responsável por acelerar a expansão do universo, uma aceleração que foi descoberta no final da década de 1990.


Finalmente, no começo da década de 1930, desenvolveu uma solução para as equações de campo de Einstein sobre a relatividade geral que permitiu que J. Robert Oppenheimer e outros formulassem a ideia de buracos negros, anos antes de que viessem as suspeitas de suas existências.


Para não ficarmos inteiramente no passado, vale observar que há destacados padres cientistas trabalhando em laboratórios na atualidade.


O padre Nicanor Austriaco é um biólogo dominicano que leciona na Providence College, em Rhode Island, EUA. Austriaco, doutor em 1996 pelo MIT, tem o seu próprio laboratório e é especialista no estudo da morte celular programada e seu papel na propagação do câncer. O seu laboratório é carinhosamente chamado de “O Lar da Sociedade das Leveduras Mortas”, e já publicou uma série de excelentes trabalhos em revistas tais como a Cell e a Proceedings of the National Academy of Sciences.


Na qualidade de estudante da obra e São Tomás de Aquino, que também foi dominicano, Austriaco igualmente se interessa no estudo da evolução humana e em como ela pode ser conciliada com a teologia católica. Após ter me encontrado com ele e lido alguns de seus livros, aventuro-me em dizer que se for haver uma Summa neste novo milênio, Austriaco poderá ser um dos principais candidatos a escrevê-la.


Crux 24-01-2015.

*John Farrell é autor do livro “The Da


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