29/01/2015

Para teólogo, 'Deus único' tem muitos nomes



Em livro, John Hick convida leitores a irem além da intolerância religiosa.

Por Massimo Nava

Em tempos de profetas da desgraça e previsões do choque de civilizações, chega em boa hora o livro de John Hick (1922-2012) “Dio ha molti nomi” (“Deus tem muitos nomes”) (Ed. Fazi, 139 páginas), o grande teólogo inglês, também conhecido por posições contracorrente que despertaram duras críticas na hierarquia.


É um livro profundo, mas de fácil leitura, como se as soluções para problemas imensos estivessem ao alcance de todos, uma vez liberto o campo da ignorância, do preconceito, do fanatismo ideológico. E é um livro que deveria ser adotado nas escolas e nos lugares de oração de todas as confissões, especialmente depois da tragédia de Paris.


Hick parte da constatação de que a realidade mudou, embora muitos finjam não ver ou sonham com impossíveis retornos ao passado. A globalização econômica, a imigração, a integração europeia e americana colocaram colocaram em estreito contato culturas, experiências espirituais e práticas religiosas que, antigamente, permaneciam distantes, circunscritas ao seu próprio âmbito de influência.


Hoje, crianças de todas as raças e convicções frequentam as mesmas escolas, vivem nos mesmos bairros, e os seus pais fazem as compras nas mesmas lojas. Religiões pouco conhecidas, às vezes minadas por hostilidades recíprocas e preconceito, encontram-se convivendo, misturando-se no debate sobre as raízes da sociedade, sobre a identidade coletiva, sobre a diversidade.


Debate sem saída, que eleva o limiar da intolerância todas as vezes em que as possibilidades de discussão são reduzidas ou zeradas por fatos criminosos, episódios de terrorismo, crônicas de ”invasão”. E todas as vezes em que uma provocação intelectual (é o caso do livro de Houellebecq) atinge mais a barriga do que os cérebros dos leitores.


Fortemente influenciado pela filosofia kantiana, Hick argumenta que é possível e desejável ir além da tolerância e do diálogo entre as diversas fés, para compreender o sentido último de uma experiência espiritual comum, que supere milênios de dogmas. Do mesmo modo em que a universalidade dos direitos humanos deveria conciliar culturas e sistemas diferentes, a teologia universal de Hick não pretende anular as diversidades, mas tirar do meio do caminho as pretensas superioridades de uma religião sobre a outra.


Na verdade – segundo Hick –, deveria parecer absurdo que o Deus “Senhor e Criador de todas as coisas” não seja o mesmo para todos, para além das tradições diferentes ao longo dos séculos. Assim como deveria soar absurdo – até para os cristãos – que o único Deus, depois, favoreceu uma espécie de hierarquia da humanidade, segundo a qual alguns bilhões de fiéis estariam excluídos do paraíso.


Hick lembra o Concílio de Florença, em 1438, em que se defendeu que “nem pagão, nem judeus, nem hereges ou cismáticos participarão da vida eterna, mas irão para o fogo eterno”.


Desde então, a Igreja deu passos gigantescos rumo ao diálogo inter-religioso, mas o último passo, o decisivo, segundo Hick, é uma reinterpretação das Escrituras em chave moderna, distinguindo entre valores éticos da mensagem e superestruturas da tradição. Um caminho imenso, que deveria ser percorrido também pelas outras religiões, capaz de reconciliar os homens com a fé própria e alheia, com a ciência e a técnica, com o ensinamento dos grandes mestres da humanidade: Jesus, Maomé, Buda, Moisés e os profetas.


Corriere della Sera, 28-01-2015.

*Tradução é de Moisés Sbardelotto.


http://goo.gl/wHkely

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