17/08/2015

Velhos e idosos, morte e cirurgia plástica

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Eu me recuso, nos meus 77 anos de idade, a ser considerado gasto, antiquado.




Por Evaldo D’Assumpção*


Recebi, recentemente, um artigo da escritora Eliane Brun, intitulado: “Me chamem de velha”. Concordo com quase tudo o que ela diz nesse excelente artigo, excluindo somente a sua preferência pelo título de “velho”, repudiando o de “idoso”. Já escrevi sobre isso. Idoso diz somente que somos plenos de idade. Assim como o saudoso é o pleno de saudade, o bondoso é o pleno de bondade, e por ai vai. Oso é o sufixo que indica a abundância.


Velho, vem do latim vetulus, que significa gasto pelo uso, antiquado, superado. E eu me recuso, nos meus 77 anos de idade (ao contrário da Eliane, que se bem entendi diz em seu artigo ainda não ter chegado aos 50), a ser considerado gasto, antiquado. Aliás, é exatamente o que ela também rejeita, só que usando terminologia inadequada. Creio que foi a sua maneira de protestar contra essas besteiras que estão por ai, ou seja, as tais “melhor idade”, “terceira idade”, “idade feliz” e outras pataquadas. Pior ainda são as festinhas para idosos, onde os ingênuos são instados a se vestirem e fantasiarem como garotinhos e garotinhas, mesmo nem se aguentando em seus esqueletos osteoporóticos. Quem sabe devemos chamar esses grupos de “ingenuoidosos”?


Nada contra os grupos de idosos, onde programações inteligentes, atividades lúdicas compatíveis com o grupo etário para o qual são destinadas, ajudam a mantê-los ativos e lúcidos, proporcionando-lhes oportunidades de socialização e razoável qualidade de vida. Sou contra as mal planejadas e organizadas reuniões, onde com ilusória pretensão de diverti-los, colocam os idosos em situações ridículas, humilhantes, forçando-os a se comportarem como os adolescentes que há muito deixaram de ser. Às vezes até mesmo colocando-os em risco de acidentes.


E para estes grupos, só conheço um nome que me agrada: “dignaidade”. Este sim, diz bem o que ela significa. E que por isso mesmo, merece respeito. Respeito, aliás, que nos é negado quando nos concedem aposentadorias humilhantes, absurdamente distantes do mínimo necessário para uma vida com dignidade, especialmente numa época em que cuidados médicos e medicamentos se fazem mais necessários. Quando uma alimentação saudável é tão  importante quanto os direitos exarados pelo Estatuto dos Idosos, a toda hora desrespeitado. Quando moradia digna e assistência de cuidadores deveriam ser disponíveis, ao invés de hipocritamente afirmar-se que às famílias cabe o cuidado dos idosos. Como se hoje a maioria das famílias já não tivessem despesas e trabalho suficiente para sua própria manutenção e dos filhos menores.


Respeito que nos é negado quando em contraste com os estratosféricos e irreais aumentos de salários dados a políticos de diversos escalões, juízes e outras autoridades constituídas, aos aposentados é concedido “generosamente” um aumento de 4% em proventos quase simbólicos, num quadro inflacionário de quase 10%.


Respeito que nos é negado como servidores do Estado, como, por exemplo, em Minas Gerais onde há exatos três anos nos concede 0% de aumento.


Respeito que nos é negado quando consideram os idosos aposentados um peso morto na sociedade, esquecidos de que, o que hoje colhem é o fruto das sementes que plantamos, não só com a educação que lhes demos, mas com o trabalho que fizemos para construir as cidades de que hoje nossos descendentes usufruem.


Creio que não há nada melhor do que – e nisso concordo bem com a Eliane – assumir nossa idade, pois afinal muitos anos de vida, se bem vivida, é um troféu que não se pode desmerecer, um tesouro quase sempre arduamente acumulado de sabedoria e discernimento. Portanto, não me chamem de velho, pois não o sou. Idoso, este título me enobrece e o recebo de bom grado, pois diz exatamente o que sou.


E a morte? Por que temê-la? Para o idoso ela chega na hora certa. Viver para sempre é uma fantasia, que realizada se mostraria insuportável. O que repugna à própria natureza é a morte precoce. Contudo, até esta tem o seu sentido, ainda que desconhecido por nós. Morrer não é uma novidade nem para o recém-nascido, que acabou de experimentar a sua primeira morte ao deixar, definitivamente, a tranquila vida intrauterina.  Depois, vem a morte da infância para se ganhar a adolescência, a desta para se ganhar a juventude, e por ai vai. Sempre, inexoravelmente, a cada morte vem uma nova vida. Se não é melhor do que a anterior, é porque não soubemos nos preparar para ela. Portanto, isto é a vida: uma roda em constante movimento.


Quanto às cirurgias plásticas de rejuvenescimento, citadas no artigo, estas passaram a ser manipuladas para se tornarem objeto de desejo de quem não quer aparentar a idade que tem, pelos novos cirurgiões plásticos, ávidos de um clientela disposta a pagar caro por ilusões, muitas vezes beirando o ridículo. Tudo por uma bela conta bancária. Do cirurgião, é lógico!…


E la nave va… A sociedade capitalista selvagem e de consumo irracional agradece!



*Evaldo D’Assumpção é médico e escritor.


Velhos e idosos, morte e cirurgia plástica

Um comentário :

  1. Gostei muito das colocações feitas pelo médico Evaldo D'Assumpção! Uma abordagem perfeita sobre o tema! Parabéns!

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