06/07/2016

O Papa Francisco e o clericalismo na América Latina

Rádio Vaticana



Cidade do Vaticano (RV) – No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar da Constituição Dogmática Lumen gentium, abordando no programa de hoje a questão do clericalismo na América Latina.


No programa passado, tratamos da “Eclesiologia no Brasil na época do Concílio”, oportunidade em que foi recordado que enquanto no Vaticano era elaborada a Lumen gentium, a Igreja no Brasil realizava a sua primeira Campanha da Fraternidade com o  tema “Igreja em Renovação” e lema: “Lembre-se: você também é Igreja”.


No programa de hoje, o Padre Gerson Schmidt nos propõe a reflexão “O Papa denuncia clericalismo na Igreja da América Latina”:


“O Concílio Vaticano II propõe uma nova visão da Igreja. Se podemos fazer em modelo de Igreja, se isso não for talhar e aprisionar o dom do Espirito Santo numa única forma, então diremos que o modelo que a Lumem Gentium propõe é a Eclesiologia de comunhão. O Papa Francisco dirigiu, em março deste ano, uma carta ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, onde recorda alguns trechos da Lumen gentium. Falei rápido outro dia. Vamos hoje aprofundar o pensamento do Papa, nesse resgate do cinquentenário desse documento conciliar:


Diz o Papa Francisco:


“Olhar continuamente para o Povo de Deus salva-nos de certos nominalismos declarativos (slogan) que são frases bonitas, mas não conseguem apoiar a vida das nossas comunidades. Por exemplo, recordo a famosa frase: ‘Chegou a hora dos leigos’ mas parece que o relógio parou” – o Papa parece aqui dizer que paramos no tempo e ainda não valorizamos a participação dos leigos, tão querida e desejada pelo Concílio. E continua o Sumo Pontífice: “Olhar para o Povo de Deus é recordar que todos fazemos o nosso ingresso na Igreja como leigos. O primeiro sacramento, que sela para sempre a nossa identidade, e do qual deveríamos ser sempre orgulhosos, é o batismo. Através dele e com a unção do Espírito Santo, (os fiéis) «são consagrados para serem edifício espiritual e sacerdócio santo» (O papa aqui cita literalmente o número 10 da Lumen gentium, que faz parte do grande capítulo da Igreja Povo de Deus e que tem subtítulo Sacerdócio comum dos fiéis).


E lembra o Papa essa vocação primordial aos consagrados, aos presbíteros e bispos: “A nossa primeira e fundamental consagração funda as suas raízes no nosso batismo. Ninguém foi batizado sacerdote nem bispo. Batizaram-nos leigos e é o sinal indelével que jamais poderá ser cancelado. Faz-nos bem recordar que a Igreja não é uma elite de sacerdotes, consagrados, bispos, mas que todos formamos o Santo Povo fiel de Deus. Esquecermo-nos disto comporta vários riscos e deformações na nossa experiência, quer pessoal quer comunitária, do ministério que a Igreja nos confiou. Somos, como frisou o concílio Vaticano II, o Povo de Deus, cuja identidade é «a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo» (Lumen gentium, 9). O Santo Povo fiel de Deus foi ungido com a graça do Espírito Santo e, portanto, no momento de refletir, pensar, avaliar, discernir, devemos estar muito atentos a esta unção” – são afirmações do Papa nessa carta dirigida ao Cardeal Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina.


E nessa carta ainda o Papa denuncia o clericalismo, que a América Latina precisa enfrentar. Atentos para as palavras do Papa. Diz ele: “Ao mesmo tempo, devo acrescentar outro elemento que considero fruto de um modo errado de viver a eclesiologia proposta pelo Vaticano II. Não podemos refletir sobre o tema do laicato ignorando uma das maiores deformações que a América Latina deve enfrentar — e para a qual peço que dirijais uma atenção particular — o clericalismo. (…) O clericalismo leva a uma homologação do laicato; tratando-o como “mandatário” limita as diversas iniciativas e esforços e, ousaria dizer, as audácias necessárias para poder anunciar a Boa Nova do Evangelho em todos os âmbitos da atividade social e, sobretudo, política. O clericalismo, longe de dar impulso aos diversos contributos e propostas, apaga pouco a pouco o fogo profético do qual a inteira Igreja está chamada a dar testemunho no coração dos seus povos. O clericalismo esquece que a visibilidade e a sacramentalidade da Igreja pertencem a todo o povo de Deus e não só a poucos eleitos e iluminados”. Palavras fortes do Papa Francisco que quer resgatar a verdadeira eclesiologia do Vaticano II, que inverte a pirâmide, colocando os leigos no topo e a hierarquia a seu serviço. Vou repetir essa última frase importante do Papa: “O clericalismo esquece que a visibilidade e a sacramentalidade da Igreja pertencem a todo o povo de Deus e não só a poucos eleitos e iluminados”- (baseando-se nessa afirmativa em Lumen gentium, números 9 a14).


Portanto, o clericalismo – presente nos padres, bispos ou leigos – limita as diversas iniciativas e esforços eclesiais. Faz a Igreja retroceder, empobrece o verdadeiro sentido de colegiado, de todos pertencerem a esse Povo de Deus em marcha que caminha e que cada membro desse povo santo, participarem a seu modo, nos diversos carismas e ministérios, para a santificação e edificação do corpo de Cristo, a qual pertencemos todos. A hierarquia tem sua vocação. Mas não de abafar a iniciativa da participação efetiva dos fiéis leigos, nos seus ministérios específicos e variados, seja na Igreja, na política, na economia, no mundo, mergulhados como verdadeira luz para o mundo”.


(from Vatican Radio)



O Papa Francisco e o clericalismo na América Latina

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