Mas nem só famosos
contavam com o apoio de Elis. Outro episódio, esquecido e revelado recentemente
pela revista Continente, ocorreu no
Recife, em 1978 , durante o governo de Ernesto Geisel. Elis estava na cidade
para apresentações do show "Transversal do Tempo", que tinha um
roteiro com viés político e de forte crítica social. Lá, quis se encontrar com
Dom Helder Câmara (1909 –1999), à época arcebispo de Olinda e Recife, conhecido
por sua atuação contra as violações de direitos humanos no Brasil, em especial
durante a ditadura.
Quem
aproximou Elis e Dom Helder foi a atriz e especialista em cultura popular Leda
Alves. Elis a procurou por indicação de Frei Betto. Por coincidência, neste
mesmo dia, à noite, haveria uma missa em favor da libertação do líder
estudantil Edval Nunes da Silva, o Cajá, que havia sido preso em maio de 1978,
na capital pernambucana, acusado de tentar reorganizar o Partido Comunista
Revolucionário. Elis decidiu que participaria do ato religioso. E assim o fez.
Subiu ao altar da Matriz de São José e entoou os cânticos da celebração.
“Estávamos em plena ditadura e, mesmo assim, ela não se intimidou”, diz Leda,
que se tornou amiga de Elis. Depois da missa, a Elis foi à sacristia conhecer
Dom Helder. “Ela estava muito interessada no trabalho que ele fazia em defesa
dos direitos humanos”, afirma Leda.
No dia do
primeiro show da temporada que faria em Recife, Elis decidiu dedicar o show ao
estudante Edival Nunes da Silva, o Cajá. A homenagem rendeu a Elis uma
repreensão da polícia local, que ameaçou impedir suas apresentações seguintes.
No segundo show, Elis arrumou um jeito de falar o apelido do líder estudantil.
Segundo o próprio Cajá, o que foi lhe contado depois é que Elis entrou no palco
com a banda desfalcada do baterista. Alegando que não poderia começar o show
sem um de seus músicos, perguntou por ele. Alguém apontou o músico sentando em
uma das poltronas do Teatro Santa Isabel. Elis, marota, teria dito. ‘Vem cá,
já. Não posso começar o espetáculo sem você’. “O público logo entendeu o recado
e aplaudiu o ato de Elis”, diz Cajá, que hoje é sociólogo e tem 61 anos.
Antes de
deixar o Recife, Elis ainda tentou visitar o estudante na prisão. Não
conseguiu. Optou por escrever uma carta. Na correspondência, escrita em um
papel timbrado do hotel onde Elis se hospedou, o Othon Palace, Elis dizia para
Cajá não esmorecer e continuar a lutar pela liberdade. Para Cajá, o ato de Elis
foi ‘iluminado’. “Depois de Elis, outros artistas tentaram me visitar, como os
atores Bruna Lombardi e Cláudio Cavalcanti”, afirma. “Ela tinha um compromisso
com o que há de mais bonito no ser humano: a liberdade”, diz Cajá.
Cerca de três
meses após sua saída da prisão, em junho de 1979, Elis voltou ao Recife para
uma apresentação e tentou marcar um almoço com Cajá. Ele, que havia acabado de
se tornar pai, não pode comparecer, mas disse que, posteriormente, iria a São
Paulo se encontrar com a cantora. O encontro dos dois nunca aconteceu. Em 19 de
janeiro de 1982, o sociólogo, em meio a uma reunião da União Nacional dos
Estudantes, foi surpreendido pela notícia da morte de Elis. No próximo mês de
março, quando Elis completaria mais um aniversário, ele pretende realizar um
show com artistas locais em homenagem à amiga.
Fonte: Revista Época
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