18/07/2012

Bolso, balança e espelho



Pe. Alfredo J. Gonçalves*


Em termos figurados, o bolso, a balança e o espelho são os órgãos mais sensíveis do corpo humano. Semelhante sensibilidade está estritamente vinculada a três tipos de tirania correspondentes: tirania do ter, tirania do corpo perfeito e tirania da beleza. As implicações são várias e complexas.

Tirania do ter
A tirania do ter (escravidão do bolso, bolsa, carteira) sobrepõe o "meu” ao "nosso”. O ritmo alucinante das inovações científicas e tecnológicas tecnológicos, por um lado, e o requinte cada vez mais sofisticado do conforto humano, por outro, permitem que, gradualmente, cada pessoa tenha seu carro, seu computador, seu telefone, seu aparelho de televisão, seu quarto e às vezes até mesmo sua casa.
Em tempos não muito remotos, todos esses bens eram compartilhados por mais de uma pessoa, pela família ou por grupos inteiros. Se é verdade que esse avanço abre a um maior número de pessoas o acesso aos benefícios do progresso tecnológico, também é certo que pode agravar o individualismo exacerbado da sociedade contemporânea.
O resultado é um hedonismo crescente que contrasta com o engajamento sociopolítico e a defesa dos direitos humanos de não poucas décadas passadas. Os interesses, paixões, esforços e buscas das pessoas tendem a girar em torno do próprio umbigo, da mesma forma que as partículas de um átomo giram na órbita de seu núcleo. "Sociedade atomizada”, dizem alguns; "multidão solitária”, acrescenta David Riesman, escrevendo sobre o comportamento dos estadunidenses.
Irmã siamesa dessa tirania do ter é a velocidade que se imprime ao processo de produzir, vender/comprar, consumir... As pessoas valem pelo que fazem. Valem como inquilinos, clientes ou usuários dispostos a gastar. Valem pelo poder da riqueza ou pelo simples aparentar, ostentar, exibir. O que explica, no Brasil de hoje, os ganhos ascendentes do setor de bens de luxo.
Tirania do corpo perfeito
A tirania do corpo perfeito (escravidão da balança) atinge a maioria da população, mas, com maior intensidade, jovens e adolescentes do sexo feminino. Os desfiles de moda e as roupas de grife identificam-se com padrões demasiadamente exigentes sobre a estética do corpo. Além de reduzir astop-models, por exemplo, a verdadeiras escravas da promoção de espaços fashion, diminui a auto-estima de uma multidão de mulheres, impossibilitadas de seguir tal padrão. Pelo caminho, em cacos irremediáveis, ficam muitos sonhos de "princesinhas” que simplesmente viraram mulheres.
Mas os homens também se sentem cada vez mais envolvidos na mesma ratoeira. Basta visitar as academias (as quais, diga-se de passagem, crescem a um ritmo assustador) para dar-se conta que, no público que costuma malhar, ambos os sexos praticamente se equilibram. Boa parte desses homens e mulheres, é bem que se diga, busca melhor qualidade de vida e saúde. Mas é bem maior a porcentagem das pessoas simplesmente obcecadas pela estética. O mesmo vale para o espantoso número de cirurgias plásticas com o objetivo de "corrigir” alguma parte do corpo. Prática que comporta uma porção de riscos e seduz jovens cada vez mais precocemente.
A tradicional forma de "personalidade interior”, da qual se dizia que o olhar era reflexo ou janela, viu-se irremediavelmente substituída pela estética do corpo, saudável e perfeito. O empenho da malhação e os artifícios para emagrecer ou recuperar os cabelos tomaram o lugar dos princípios morais. A integridade, o caráter e a atração do ser humano deixam de ser um mistério a ser descoberto na relação. Agora é visível a olho nu nos músculos e curvas esbeltas.
A tirania da beleza
Por fim, a tirania da beleza (escravidão do espelho) é a responsável pelo estrondoso florescimento da indústria de cosméticos. Também neste caso há padrões que orientam, regulam e se impõem ao comportamento dos consumidores e consumidoras. Marcas de perfumes, cremes, sabonetes, shampoos, desodorantes, batons se acumulam umas sobre as outras, disputando lugar nos espaços íntimos do asseio pessoal.
As celebridades, masculinas ou femininas, são apontadas como protótipos de uma beleza não raro artificial, envernizada para desfilar nas passarelas, nos palcos, nos ambientes das novelas ou no cinema. Celebridades tirânicas que praticamente forçam a usar este ou aquele produto, se você "não quiser ficar ultrapassado”, se você "quiser ser feliz” ou se você "pretende conquistar alguém”.
Da mesma forma que a personalidade, também "a beleza interior” se exterioriza em rostos modulados com toda a espécie de produtos, cabelos que exigem determinadas tipos de cuidados, corpos quase que feitos sob encomenda. Beleza maquiada para os holofotes e as câmeras, mas que se derrete no cotidiano das ruas.
As estrelas exibem seu brilho (por vezes falso) e os planetas lhes correm no encalço, com a ilusão de adquirir um lugar na escalada da fama. Mas, como bem o sabemos, nenhum planeta possui luz própria, sua natureza é refletir a das estrelas. A pesar disso, os simples mortais seguem sendo fascinados pela imortalidade reservada apenas aos deuses. A desilusão aqui é diretamente proporcional à falsa expectativa.
Convém sublinhar que os três tipos de tirania costumam consumir boa parte da renda pessoal ou familiar. Ao mesmo tempo, alimentam uma das indústrias mais lucrativas do mundo, na qual o Brasil aparece com grande destaque. Mas não podemos esquecer que a sensibilidade do bolso, da balança e do espelho está acima de qualquer coisa. Os desejos tornam-se imperativos!


*Assessor das Pastorais Sociais
Adital

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