“Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome
e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).
Tiago de França*
O texto evangélico deste XVIII Domingo Comum (cf. Jo 6, 24 – 35) fala de uma
multidão de pessoas que procura Jesus. Ela o procura porque pouco antes ele
saciou a fome de pão, ensinando-lhe o dom da partilha. Jesus não fez aparecer
do nada pão para toda gente, ele não era mágico como muita gente até hoje
pensa. A multidão pensava que ele seria o profeta de Deus que veio para matar a
fome de pão, curar as enfermidades, libertar dos demônios e tomar o poder
imperial.
De fato, todas estas coisas eram necessárias, mas a verdade é
que Jesus morreu na cruz e os pobres continuaram sendo explorados pelo Império
Romano. Então, o que fez ele? Em que se resume sua missão? Por que até os dias
de hoje milhões de pessoas o procuram em todo o mundo? Uma questão fundamental
que todo cristão deveria fazer a si mesmo é a seguinte: O que quero
com Jesus de Nazaré?
Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me procurando não
porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Jesus revela o
verdadeiro interesse da multidão. Veja que o texto não fala de povo, mas de
multidão. Esta procura satisfazer uma de suas necessidades básicas: a vontade
de comer. Jesus sabe muito bem que todo ser humano precisa de se alimentar para
não morrer de fome. Ele não está mandando as pessoas ficarem com fome, nem está
desvalorizando o alimento.
Aqui temos duas questões importantes: a do alimento em si mesmo
e a procura de Jesus somente por causa do mesmo. O alimento está em função da
vida do corpo. Durante toda a vida o ser humano procura o alimento, mas isto
não o livra da morte. Não há alimento que evite a morte, mas simplesmente
asseguram uma vida saudável. Que todos possam comer para viver bem é o desejo
de Deus. A fome é um pecado gravíssimo, que não pode ser tolerado! Todo ser
humano tem o direito de se alimentar bem, é um direito inalienável.
Jesus não aceitou que as pessoas o procurassem somente por causa
do pão. Ele fala da necessidade de as pessoas procurarem pelos sinais. Em outra
ocasião ele pede que procurem discernir os sinais dos tempos. O sinal sempre
aponta para outra coisa, para algo que está além. Há realidades que precisam de
sinais para serem compreendidas. A partilha do pão é um dos sinais do evangelho
segundo João: sinal de que no Reino de Deus as pessoas não podem passar fome, e
como este Reino se realiza neste mundo, então é neste mundo que todos devem ter
o necessário para viver com dignidade.
Quando comemos ficamos satisfeitos, “matamos” a fome, mas em
poucas horas ela aparece de novo. A fome nos leva a procura do que comer.
Sabendo disso, Jesus se apresentou como o pão enviado de Deus que
permanece até a vida eterna. Jesus é o alimento que permanece. Não se trata
de um alimento que sacia, de passagem, a fome, mas que permanece até a vida
eterna. Todos podem comer deste alimento, pois a mesa que oferece este alimento
deve ser aberta, acolhedora, simples, fraterna: é a Ceia do Senhor.
Dentro e fora do Cristianismo (conjunto das Igrejas Cristãs) é
grande o número dos que procuram somente a satisfação para os corpos: alimento,
moradia, saúde, lazer, prazer. O apóstolo Paulo fala dos que se corrompem sob
o efeito das paixões enganadoras (Ef 4, 22). É verdade que devemos
satisfazer as necessidades básicas para termos vida digna: isto é justo e
necessário.
É verdade também que, por natureza, tendemos às paixões, à
satisfação dos instintos egoístas. Ninguém está isento desta tendência. Ao
final, todos chegam à conclusão de que é impossível satisfazer-se plenamente.
As necessidades e as paixões criam-se e recriam-se, infinitamente. Portanto,
buscar satisfazê-las de forma desordenada é caminhar para a morte do corpo e do
espírito, é perder a tranquilidade e a paz necessárias.
Quando busca a Deus, o ser humano tem a mesma tendência: quer
que Deus satisfaça seus desejos e vontades. A forte tentação é de transformar o
Cristianismo numa religião de satisfação dos desejos. Não existe
nenhuma Igreja ou denominação cristã que não se preste a isto: em todas elas o
culto é marcado pela manifestação e procura de satisfação dos desejos e
vontades. No fundo, a maioria das pessoas deseja um Deus que resolva os
problemas da condição humana. O neopentecostalismo católico e evangélico
expressa bem o significado da religião como fonte de satisfação dos desejos.
Isto explica o porquê de Jesus não ter fundado nem religião, nem
Igreja, nem culto. Ele não fundou nenhum sistema religioso para oprimir as
pessoas, porque sabia que uma das piores opressões que o ser humano já inventou
em toda sua história consiste na opressão religiosa. Ao invés de re-ligar o
ser humano à Deus, a religião se transforma cada vez mais num sistema de
manipulação das consciências e, consequentemente, de opressão.
A situação chegou ao ponto do conflito sangrento (guerras) em
nome de Deus. A história do Judaísmo, Islamismo e Cristianismo, que são as três
maiores religiões monoteístas (crença num único Deus) é marcada pelo
derramamento de sangue em nome de Deus. Infelizmente, até os dias de hoje
tenta-se justificar a eliminação do outro em nome de Deus; tentativa totalmente
contrária à Boa Nova anunciada por Jesus de Nazaré, que revelou o verdadeiro
rosto de Deus: amor que se traduz na solidariedade (misericórdia) para com o
próximo.
Nossa relação com Deus deve ser filial, a modo de filhos que
amam seu pai. Deus é amor, é um Pai que não abandona seus filhos e filhas, que
é presença amorosa, que cria e recria na liberdade e para a liberdade, que
enviou Jesus, pão da vida, para saciar a fome e matar a sede que emergem do
mais profundo do ser humano.
No culto cristão, independentemente da denominação religiosa,
esta deve ser a prece de cada pessoa que busca o sentido último de sua
vida: Senhor, dá-nos sempre desse pão. É preciso lembrar que fora
do culto cristão Jesus também oferece o alimento que permanece para a vida
eterna. Este alimento não está exclusivamente no interior das Igrejas cristãs,
mas está no mundo, à disposição de todo aquele que procurá-lo de coração sincero.
Para o leitor faço novamente a pergunta fundamental que motivou a elaboração da
presente reflexão, e peço que tente responder, sincera e honestamente, para si
mesmo: O que quero com Jesus de Nazaré?
*Escritor e Teólogo
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