Tiago de França*
“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá
eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do
mundo” (Jo 6, 51).
Se voltarmos o nosso olhar para o mundo veremos um número infinito de pessoas
que padecem diversos males. Muitas são assistidas em seus sofrimentos, outras
são esquecidas e terminam morrendo no anonimato. Insistindo no sistema
capitalista, o homem mata impiedosamente seu semelhante. A desumanidade anda
solta no meio do mundo!... O sistema provoca frieza em muitas pessoas,
levando-as à indiferença. O outro deixa de ser importante e, aos poucos, vai se
tornando objeto na engrenagem que gera lucro e luxo para poucos.
A experiência de Jesus é a da manifestação divina no mundo. Em Jesus, Deus quis
permanecer no mundo, sendo alimento, proteção e cuidado na vida dos fracos. Há
uma clara opção de Deus pelos fracos. Toda a história da salvação Deus escolheu
o que era fraco para confundir o que se mostra forte, recorda-nos o apóstolo
Paulo em um de seus escritos. Portanto, quando quem é fraco descobre a presença
amorosa de Deus em sua vida, experimenta grande alegria e a vida cria sentido.
Somente os fracos, despossuídos e marginalizados, são os que experimentam a
verdadeira alegria de ser feliz: alegria que não vem dos bens materiais, que
não vem dos prazeres desordenados nem das ilusões que os bens e os prazeres
produzem no ser humano; mas vem do próprio Deus. É uma alegria que linguagem
nenhuma consegue descrever, pois é sinônimo da indescritível sensação da
liberdade interior. Isto acontece quando as pessoas humildes e simples abrem
seus corações para acolher a palavra do Pai que enviou seu filho Jesus.
A experiência da acolhida da palavra de Deus no coração é
caminho de liberdade e, consequentemente, de obtenção de sentido da vida. A
palavra de Deus confere liberdade e sentido à vida. Querendo que o ser humano
vivesse dignidade e adquirisse a vida eterna, que já se inicia neste mundo, o
Pai envia seu filho para ser o amigo e o companheiro fiel do ser humano, para
ser apoio, vida e esperança de toda a humanidade, especialmente dos que mais
sofrem. Deus é o bom Pai que quer a vida de seus filhos, criados à sua imagem e
semelhança.
Para compreendermos como estas belas palavras se traduzem na prática cotidiana,
pensemos em dois assuntos bem atuais à luz do Deus que envia seu Filho
como pão vivo descido do céu e carne dada para a vida
do mundo. O primeiro assunto é o do julgamento do mensalão. Os envolvidos
neste esquema criminoso foram os políticos, eleitos pelo povo para governar o
que é do povo, que se deixaram levar pela ambição do ter. Eles não
ficaram satisfeitos com os altíssimos salários que recebiam e quiseram mais
dinheiro; deixaram-se corromper por causa da sede de dinheiro.
Estes políticos, que certamente se dizem cristãos, se esqueceram do ensinamento
de Jesus, se é que o conheciam! Esqueceram-se de que o bem comum está em função
da vida do povo brasileiro. A Constituição é clara ao afirmar que os poderes
estabelecidos (Judiciário, Executivo e Legislativo) estão em função do bem
comum da nação. Os que exercem cargos públicos não devem se esquecer de que não
são donos do bem público, mas administradores, gestores e funcionários públicos
a serviço do bem da população, especialmente das populações marginalizadas.
O segundo assunto é o crescimento incontrolável do neopentacostalismo nas
Igrejas Católica e evangélicas. Trata-se de uma corrente fundamentalista que
está tomando conta das Igrejas cristãs, corrente que anula a possibilidade de
diálogo entre as Igrejas (ecumenismo) e entre as religiões (diálogo
inter-religioso). Além do fundamentalismo, na origem das diversas denominações
e seitas que se proliferam há o claro interesse em ganhar dinheiro através da
manipulação da palavra de Deus e da consciência das pessoas.
Isto significa o ingresso da religião no mercado dando origem ao mercado
religioso, mercado impulsionado pelos princípios capitalistas: competição,
proselitismo, alienação, falsas promessas, ilusão da riqueza, lucro etc. As
duas denominações religiosas que mais se destacam são a Igreja Universal do
Reino de Deus, do bispo Edir Macedo e a Igreja Mundial do Poder de Deus, do
apóstolo Valdemiro Santiago; ambos os fundadores não passam de mercenários que
estão ingressando na lista dos homens mais ricos do país.
Na Igreja Católica encontramos os carreiristas e os mercenários. Os primeiros
querem ocupar os melhores encargos da Igreja: são padres que desejam ser
monsenhores, cônegos, bispos, arcebispos, cardeais, entre outros ofícios
importantes que há nas Igrejas locais (Dioceses), nas Congregações Religiosas e
na Cúria Romana, no Vaticano.
Os mercenários, que também podem ser carreiristas, são os que
procuram o ministério ordenado somente pensando no dinheiro, nas vantagens e
nas regalias que o mesmo pode oferecer. Desde os tempos da aliança entre Igreja
e Estado, a partir do século IV, os conflitos pelo poder e pela riqueza sempre
comprometeram seriamente a imagem da Igreja e sua missão no mundo.
Fundamentalistas, neopentecostais, carreiristas e
mercenários são pessoas que não estão preocupadas com a vida do povo de Deus,
que se aproveitam da ingenuidade e da falta de formação e espírito crítico do
povo para escravizá-lo e explorá-lo. Neste caso, a Boa Nova de Jesus fica
abafada e os discursos ideológicos e mentirosos alienam o povo.
Não é preciso ser especialista em Sagrada Escritura para
perceber que tudo isto está em desacordo com o Evangelho de Jesus, pois o Filho
de Deus é o pão que alimenta e dá vida, que nos salva e dá coragem (V
Oração Eucarística). Assim como Jesus foi enviado para a vida do mundo, todo
aquele que deseja segui-lo deve fazer o mesmo: transformar a própria vida numa
boa notícia para que o meio creia e viva.
*Articulista e Teólogo
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