10/08/2012

Jorge Amado - 100 anos


Jorge Amado em VEJA: segredos do gênio da prosa simples

“Se minha literatura tiver algum valor artístico e humano, permanecerá. Se não tiver, desaparecerá. Mas, de uma ou outra maneira, terá exercido seu papel no tempo presente. O fato de que no futuro não existam os problemas de agora não invalida forçosamente a literatura que trata desses problemas nos dias de hoje. O importante é que a literatura atual denuncie a existência dos problemas e contribua para que sejam superados.” Assim Jorge Amado descreveu a VEJA, em 1969, sua visão sobre o destino que teria sua obra com o passar do tempo e a chegada da modernidade. Quarenta e três anos após essa entrevista, o Brasil celebra o centenário do autor. E sua obra segue mais viva do que nunca. Morto em 2001, Jorge Amado é até hoje um fenômeno literário, com mais de 20 milhões de livros vendidos em 55 países.
Naquela ocasião, narrou a VEJA sua estreia literária – muito parecida com a de muitos outros autores. Anos antes, seu colega de faculdade e também futuro escritor membro da Academia Brasileira de Letras, Octavio de Farias, gostou dos originais de O País do Carnaval [sua primeira obra publicada] e entregou-os ao editor e poeta Augusto Frederico Schmidt. “Todos os dias”, disse o autor à revista, “o impertinente moleque baiano ia ao escritório do editor cobrar a impressão do livro”. Era uma humilhação conhecida nos meios literários. Num dia Schimidt garantiria estar no sexto capítulo, no outro, já chegara ao segundo. “Nem sei se o Schmidt leu”, brincou Amado. Desde o começo, seu projeto foi atingir o maior número possível de leitores.Conseguiu.
Na década de 1930, Jorge Amado envolveu-se com o Partido Comunista. Em 1945, ele foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista e assumiu uma cadeira na Assembleia Constituinte instalada no ano seguinte. Foram de sua autoria emendas sobre liberdade de culto religioso e sobre direitos autorais, assim como projetos que facilitavam a importação de papel para imprimir livros. Amado dava 80% do seu salário ao Partido e vivia de direitos autorais. Em 1947, porém, o PC foi proscrito e todos os seus parlamentares cassados. Viajou para a França no ano seguinte, ao lado de Zélia Gattai. Ao longo dos anos, a militância comunista trouxe dividendos para o escritor. A máquina partidária divulgou seu nome ao redor do mundo. Só nos países do antigo bloco comunista, ele chegou a vender mais de 10 milhões de livros. Mas houve também momentos em que a atividade política atrapalhou suas ambições como escritor. A viagem de Jorge Amado pelo mundo, e em especial aos países socialistas, provocou um vazio literário na sua obra, que, em 1956, iria forçá-lo ao rompimento definitivo com o Partido Comunista, cujas opiniões sobre literatura considerava “burras”.
E qual o segredo do sucesso de Jorge Amado? Seria possível reduzi-lo a um estranho caso de amor entre o público e o livro? Ou seria mais justo levar em conta o fato de que há em sua obra algo mais, que a unifica e engrandece – uma constante e fervorosa postura em favor do pobre, do oprimido, do explorado? Ou ainda, sua profunda compreensão de que o povo é alegre, embora sofrido e humilhado? Seus personagens escaparam dos livros e conquistaram para sempre um lugar no imaginário do leitor. Amado não fixou apenas tipos, como o coronelão espoliador e a mulata sestrosa, mas também figuras com nome e história, como Gabriela, Tieta ou o malandro Vadinho. Ele não era um estilista, no sentido de escrever bonito, e confessou que deixava o trabalho de linguagem em segundo plano, preocupando-se mais com os enredos.
O escritor baiano foi um frequente alvo dos críticos – que atribuíam seu estilo pouco erudito a certo desleixo, quando não a uma “preguiça”, em relação ao texto. Hoje, há um consenso entre os poucos especialistas que já se debruçaram sobre a pilha de escritos de que ela traz à luz um autor para quem o ato de escrever era profundamente racional – e não motivado pela intuição, como se pensava. O próprio autor descreveria a VEJA em 1972 sua maneira de trabalhar: “Trabalho sempre, quando escrevo e quando não escrevo. Creio que o trabalho do escritor se processa mais fundo e denso enquanto ele está aparentemente ocioso. Quando amadurece o que escreverá depois. Acordo todos os dias entre 5 e 6 da manhã. E trabalho”. Amado costumava fazer pouco de sua importância. Numa entrevista de 1991, disse: “Quando eu morrer, vou passar uns vinte anos esquecido”. Ele estava errado.

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