07/01/2013

«O Deus dos cristãos é o mesmo Deus dos muçulmanos»


MUNDO
Entrevista

Texto Francisco Pedro | Foto Ana Paula | 07/01/2013 | 07:45

Cardeal John Olorunfemi Onaiyekan da Nigéria
Nomeado cardeal no último Consistório, John Onaiyekan, 68 anos, tem-se destacado pelo trabalho no âmbito do diálogo inter-religioso, na Nigéria. Diz que a convivência entre religiões é uma questão de atitude mental
IMAGEM
Em entrevista à FÁTIMA MISSIONÁRIA, manifesta-se surpreendido pelos recentes ataques sangrentos às igrejas cristãs, em território nigeriano. Diz que se trata de terrorismo islâmico que pode ser combatido com a ajuda dos próprios muçulmanos

FÁTIMA MISSIONÁRIA É reconhecido internacionalmente por lutar contra o ódio anti-religioso. Como estão as relações entre cristãos e muçulmanos na Nigéria?

John Onaiyekan Desde alguns anos que têm surgido alguns problemas neste campo. Frequentemente as partes em conflito têm uma identidade mista. Quando a identidade tribal coincide com a identidade religiosa é difícil destrinçar entre guerra religiosa ou guerra tribal. Esta é a primeira coisa que devemos saber. Depois devemos pensar também no problema político. Os políticos aproveitam muito este fator da identidade das pessoas. Um muçulmano que quer ganhar as eleições, quando chega a uma aldeia onde a maioria são muçulmanos, dirá: sou um bom muçulmano, votai em mim, não voteis naquele que é um cristão. O mesmo político, se chega a uma aldeia onde há pouquíssimos muçulmanos, muda o discurso. Temos ainda o fator histórico. Há territórios da Nigéria onde algumas tribos, há duzentos ou trezentos anos, conquistaram outras tribos. Mas agora vivem no mesmo território. Têm uma espécie de relação, não de senhores e escravos, mas de conquistadores e de vencidos. Depois da independência ninguém mais aceita ser considerado como vencido ou escravo. E o governo, que devia enfrentar e resolver estes problemas, preocupa-se apenas com os jogos políticos.

FM E os ataques às igrejas cristãs?

JO É uma coisa totalmente nova, a que não estávamos habituados. Trata-se de terrorismo islâmico, que não representa a face verdadeira do Islão na Nigéria. Eu conheço os chefes muçulmanos. E a maioria é contra estas atitudes. São grupos bem organizados, com contactos com redes internacionais, de onde tiram inspiração e conhecimentos sobre modos de atacar.

FM O movimento islâmico Boko Haram, a quem são atribuídos muitos dos ataques, já manifestou abertura para dialogar com o governo. É possível esse diálogo?

JO Por enquanto não. Mas antes de passarmos a isso, queria insistir que a comunidade islâmica da Nigéria é contra o Boko Haram. Até porque eles atacam e matam também muçulmanos. O governo tem tomado medidas de segurança, mas penso que a situação não se resolve através da força. O grupo faz reivindicações políticas e sociais que têm fundamento, só que do ponto de vista religioso não se abre a falar com outras religiões. Para os elementos do Boko Haram quem não é muçulmano é pagão. Então não há lugar para o diálogo. A única coisa que sabemos é que na Nigéria há muitos muçulmanos que são abertos ao diálogo e esperamos que eles encontrem forma de falar com os seus extremistas. Trata-se por isso de um diálogo indireto.

FM Deve então apostar-se nessa forma de conversação?

JO Sim, devemos promover cada vez mais esse tipo de diálogo. O governo mostrou-se disponível para falar com os extremistas. Mas antes de falar é necessário conhecer as pessoas. Porque – diz o governo – são pessoas sem rosto. Não se sabe quem é o chefe, ou quem é o secretário. Como é que se pode dialogar com quem não tem rosto? Por outro lado, os nigerianos em geral perguntam-se o que quer dizer entrar em diálogo com pessoas que matam nigerianos inocentes. Como é que se pode dialogar com um assassino? Se começamos a dialogar com os assassinos, então dialoga-se também com os raptores, com os ladrões, homicidas… Porque são pessoas que mataram tanta gente. Falar, está bem. Mas que tipo de discurso devemos ter?

FM Qual é para si o modelo ideal de diálogo inter-religioso?

JO Trata-se de uma atitude mental. De uma mente que se abre a conhecer que todos nós procuramos Deus, que há um só Deus. Que o Deus dos cristãos é o mesmo Deus dos muçulmanos. Um Deus que não quer que nos combatamos, mas que vivamos juntos. Se nós da Igreja Católica seguimos o que diz o Vaticano II, na Lumen gentium, a Igreja deve ser o sacramento da salvação. Sacramento quer dizer sinal e instrumento. Sinal e instrumento da unidade das pessoas entre si e com Deus. Assim, não olhamos para o muçulmano como alguém que não conhece a Deus, mas alguém que partilha connosco tantos valores espirituais. Digo sempre que o facto de acreditarmos num Deus único é já uma coisa grandíssima.

Nenhum comentário :

Postar um comentário