Na mais polêmica edição do Oscar dos últimos anos, os envelopes com os vencedores já estão devidamente lacrados
Pela primeira vez acompanharei a entrega do Oscar tendo visto quase todos os filmes em competição, reforçado pela redobrada atenção de acompanhar de perto todas as premiações dos sindicatos dos profissionais de Hollywood, e, especialmente, a polêmica política em torno de "A Hora Mais Escura".
"A Hora Mais Escura"
Isso não é nada demais, apenas concede ao crítico a oportunidade de construção de análises mais bem fundamentadas sobre os filmes e as categorias nas quais competem. No entanto, nem mesmo assim se tem a garantia que as apostas do analista serão fechadas em 100%.
Há um detalhe relevante: desde 2010, quando a Academia adotou a seleção de 10 títulos para a disputa de melhor filme que a premiação ganhou em qualidade e, também, em polêmica. Naquele ano a competição entre "Avatar" e "Guerra ao Terror" saiu do Globo de Ouro com a vitória de James Cameron e se desfechou no Oscar com a consagração de Kathryn Bigelow. Em 2011, com "O Discurso do Rei" e em 2012 com "O Artista", se viu a supremacia da cinematografia estrangeira de britânicos e franceses em detrimento do cinema de Hollywood. Caso fossem apenas 5 filmes em disputa para a categoria certamente não teria graça alguma.
Neste ano se vê um embate envolvendo três filmes políticos - "A Hora Mais escura", "Argo" e "Lincoln", e, por isso, está sendo uma competição diferente. A política entrou no campo do cinema com toda a sua fúria e poder, representada por um grupo de senadores.
"A Hora Mais Escura" enfureceu políticos do Congresso, deixou os nacionalistas e partidários de Bush com os cabelos arrepiados e analistas políticos, jornalistas, intelectuais e até membros da Academia escandalizados com a desenvoltura com a qual o roteirista Mark Boal e a cineasta Kathryn Bigelow mostraram como a CIA utilizou o método humilhante e desumano da tortura para localizar o terrorista Osama Bin Laden.
As acusações tiveram duas vertentes: uns acusaram de tomarem uma posição contra a pátria com a inclusão da mentira - o uso da tortura -, e, por outro lado, que estariam defendendo a prática da tortura pelos agentes do governo, expondo como meio necessário para chegar aos fins.
Como resultado, além deles, a distribuidora Sony Pictures, e até a Academia foi pressionada para rifar "A Hora Mais escura" das listas de categorias do Oscar. Na confusão, o nome de Bigelow foi banido das indicações a melhor diretor e o filme ainda hoje enfrenta uma campanha sórdida, só amenizada com as análises corajosas de parte da crítica em sua defesa.
"Aqueles de nós que trabalham com arte sabem que representação não é aprovação, elogio", escreveu Bigelow ao Los Angeles Times. "Se o fosse, nenhum artista estaria apto a pintar atos desumanos, nenhum autor poderia escrever sobre eles, e nenhum diretor de cinema poderia se aprofundar em assuntos espinhosos de nosso tempo", acentua, em defesa sua e de sua obra.
Melhor Filme
Para a Academia, a retirada do nome de Bigelow entre os nomeados para a categoria de melhor diretor foi danoso porque soou para a como uma aceitação da pressão e uma submissão aos políticos. A Academia é uma entidade da indústria e não deveria se vergar a essa situação - e por isso ela está dividida. Alguns de seus membros estão pela garganta com determinada turma do Congresso.
É fato: quer queiram quer não, a entrega do Oscar-2013 será marcada por esse contexto político. É a história em desenvolvimento.
Em todo caso, Kathryn tem poucas chances de levar a estatueta de Melhor Filme. Pelas premiações recebidas dos quatro principais sindicatos - produtores, diretores, atores e roteiristas -, "Argo" será o eleito, consagrando Affleck como a maior revelação do cinema de Hollywood e a pequena produtora Smoke House de George Clooney e Grant Heslow.
"Argo" está no páreo em algumas das principais categorias
Desde 2006, quando "Crash - no Limite" (2005) conquistou o Oscar de Melhor Filme e Ang Lee recebeu a estatueta de melhor diretor por "O Segredo de Brokeback Mountain" - outro ato de subserviência da Academia -, deixando o canadense Paul Haggis sem qualquer honraria, a Academia não dividia as premiações de filme e diretor. Isso aconteceu apenas três vezes e a penúltima foi em 1990: "Conduzindo Miss Daisy", de Bruce Beresford, melhor filme; melhor diretor, Oliver Stone, por "Nascido em 4 de Julho". Será agora, sete anos depois, voltará a acontecer. Isso porque a Academia retirou o nome de Ben Affleck para colocar o de Michael Hanake, realizador de "Amor", que também concorre na categoria de Melhor Filme Estrangeiro pela Áustria. Affleck, ator considerado canastrão pela crítica, tinha dirigido duas bem sucedidas películas ("Medo da Verdade", 2007, e "Atração Perigosa", 2010), e ninguém esperava que "Argo" pudesse ser uma obra de melhor qualidade. Ledo engano.
Injustiças
Com a retirada por parte da Academia do nome de Kathryn Bigelow da categoria de melhor diretor, os dois nomes mais fortes para levar a estatueta ficaram de fora. Indubitavelmente, duas injustiças.
E agora, quem leva a estatueta de Melhor Diretor da edição 2013? Ao que parece, Steven Spielberg, realizador de "Lincoln", uma obra sóbria e que trata da consolidação da democracia estadunidense, embora não seja propriamente um filme nacionalista. Mas, observe: há algumas semanas se descobriu que a presença de Bill Clinton na cerimônia do Globo de Ouro fazendo propaganda de "Lincoln" foi sob a influência de Spielberg. Não se sabe como os colegas vão reagir a tal manobra. Caso não haja qualquer reação contrária, Spielberg é o nome natural para receber a estatueta folheada a ouro 14 quilates.
Na verdade, a Academia tem uma batata quente. Jamais iria premiar Michael Haneke como o melhor diretor. Este está fora quando sequer deveria constar ali. Está pagando melo mico. Resta agora optar por um dos restantes da lista: Ang Lee opor "As Aventuras de Pi", Benh Zeitlin por "Indomável Sonhadora", e David O. Russell por "O Lado Bom da Vida". Caso eu fosse membro da Academia votaria em Zeitlin. Uma previsão? Ang Lee.
PEDRO MARTINS FREIRE
CRÍTICO DE CINEMA
Diário do Nordeste
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