25/03/2013

O desafio que vem da China

Colunista Fareed (Foto: divulgação)A primeira viagem ao exterior do secretário de Estado americano, John Kerry, foi um impressionante giro por nove países da Europa e do Oriente Médio. Me pergunto se ele não deveria ter visitado apenas dois países, China e Japão. É neles que estão ocorrendo os mais significativos e perigosos desdobramentos em relações internacionais. A segunda e a terceira maiores economias do mundo vêm se enfrentando há meses por causa de territórios, revivendo feias memórias históricas e deixando claro que, no caso de uma crise, nenhum dos lados recuará. O comércio entre os dois países – normalmente em torno de US$ 350 bilhões por ano – diminuiu substancialmente. Um acidente, um erro de cálculo ou um imprevisto podem facilmente sair do controle.

Tudo isso acontece num contexto de uma China em mudança, interna e externamente. O país carece de um profundo e estratégico relacionamento com os Estados Unidos. Na verdade, a falta de avanços nas relações com a China é o maior vácuo na (em geral bem-sucedida) política externa do presidente Barack Obama.

Isso não se deve à falta de esforço. O governo Obama começou determinado a fazer da Ásia uma prioridade, especialmente em sua relação com a China. A primeira viagem de Hillary Clinton como secretária de Estado foi à Ásia – e ela deu sinais de que as discussões com a China se concentrariam em grandes questões estratégicas e não seriam atrapalhadas pelo tema dos direitos humanos. O governo queria engajar a China como uma espécie, imperfeita, de parceira. O ex-assessor para Segurança Nacional Zbigniew Brze­zinski, conhecido por ser próximo de Obama, especulou sobre a necessidade de criar um G2 – um diálogo permanente entre Washington e Pequim sobre os grandes desafios que o mundo enfrenta.

A reação da China a essas aberturas foi confusa. Pequim estava preocupada em ser envolvida numa diplomacia de superpotências. Isso distrairia o país de seu foco principal, o desenvolvimento econômico. A China queria proteger seu direito de ser considerada um país em desenvolvimento para que pudesse continuar a se industrializar sem se preocupar muito com as mudanças climáticas. Alguns representantes da elite chinesa na área de política externa perguntavam se isso não era uma armadilha, que forçaria o governo a apoiar decisões formuladas e dirigidas a partir de Washington. Outros viram as aberturas do governo Obama como um sinal do aumento da força da China, convencidos de que o melhor caminho para Pequim seria seguir fortalecendo sua economia e aguardar seu momento.

O único caminho duradouro
para a estabilidade na Ásia
é uma relação forte entre
Estados Unidos e China
Como resultado, a resposta de Pequim à diplomacia inicial do governo americano foi fria. Na conferência sobre mudanças climáticas de Copenhague, em 2009, a China foi até mesmo distante e combativa. Tentou ativamente se opor aos esforços dos Estados Unidos para alcançar um consenso. Enquanto isso, muitas das outras potências asiáticas começaram a se preocupar com uma nova e determinada China. Do Japão ao Vietnã e Cingapura, governos asiáticos deram sinais de que receberiam bem uma presença maior dos Estados Unidos na região, algo que garantisse a eles que a Ásia não se tornaria uma zona de influência da China.

O governo Obama respondeu, de forma inteligente, com seu “pivô” em 2011, combinando medidas econômicas, políticas e militares, todas desenhadas para mostrar que os Estados Unidos fortaleceriam seu papel na Ásia, equilibrando com isso qualquer hegemonia potencial chinesa.

O resultado do pivô, entretanto, foi o aumento da tensão nas relações americanas com Pequim. Hoje, China e Estados Unidos mantêm conversas, como os diálogos estratégico e econômico entre altas autoridades governamentais. Mas elas são formais e ritualísticas. Nenhuma autoridade americana ou chinesa desenvolveu uma confiança mútua genuinamente profunda. Pequim vê o pivô como uma estratégia de contenção e acredita que o aumento do nacionalismo japonês – tolerado por Washington – seja responsável pela crise no Mar do Leste da China.

O Japão parece entrar em sua própria fase mais afirmativa, por motivos domésticos. A maior mudança ocorre em Pequim. A China tornou-se a potência dominante na Ásia. Simultaneamente, passa por desafios econômicos – sua estratégia de alto crescimento das últimas décadas enfrenta obstáculos – por uma complexa transição política. Elementos do regime chinês, como o Exército de Libertação Popular, queriam uma linha mais dura diante dos Estados Unidos. As revelações sobre a espionagem digital de segredos do setor de defesa e de empresas dos EUA, patrocinada pelo governo chinês, se encaixam nesse quadro geral: a China se torna mais agressiva e arrogante.

Quem quer que seja o culpado, permanece um fato: o único caminho duradouro para a estabilidade na Ásia é uma relação forte entre os Estados Unidos e a China. Os dois países não concordarão sempre, mas precisam ter ligações melhores e mais profundas. 
O secretário Kerry deveria começar a planejar sua próxima viagem, para a Ásia. 

Revista Época

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