04/03/2013

Você tem mais tempo do que pensa


Você tem mais tempo do que imagina (Foto: Shutterstock)Se seu dia está curto demais para tantas tarefas, há uma solução simples, embora de aplicação difícil: mude-se para Vênus. Lá, o dia dura 243 vezes a duração do dia na Terra – é o tempo que o planeta demora para dar a volta sobre seu próprio eixo. Imagine só. Daria para trabalhar, pegar um cineminha, encontrar os amigos, cuidar do cachorro, levar os filhos à escola, tirar uma soneca depois do almoço, ler um livro, assistir à sessão da tarde na TV... Deve ser por isso que nunca se viu um venusiano reclamar de estresse. Diante das 5.832 horas do dia de Vênus, é compreensível que os terráqueos se queixem tanto de seus dias de 24 horas. Segundo a escritora americana Laura Vanderkam, porém, reclamamos de barriga cheia. Seu livro 168 hours. You have more time than you think (168 horas. Você tem mais tempo do que pensa), ainda não lançado no Brasil, tornou-se best-seller defendendo duas teses incomuns em obras sobre organização do tempo. A primeira é que somos bem menos ocupados do que imaginamos. A segunda é que a melhor maneira de aproveitar bem o tempo é não se preocupar tanto assim com ele.

Nossa vida é tão corrida que livros sobre como administrar o tempo se tornaram um gênero à parte nos últimos anos (leia a lista abaixo). Em geral, eles partem de uma premissa: o dia é curto para tantas tarefas. A melhor maneira de lidar com isso, segundo eles, é preenchê-lo como os hotéis ocupam suas vagas na alta temporada. De forma rigorosa, cumprindo todas as tarefas de trabalho sem procrastinar e planejando o tempo restante para aproveitar cada segundo com a família, ou aprendendo um hobby, ou praticando esportes. O resultado desse planejamento rigoroso é, muitas vezes, mais estresse – pois mesmo as atividades prazerosas descritas acima acabam se transformando numa lista de tarefas.


Laura Vanderkam vai contra essa corrente tarefeira. Ela começa por verificar, de forma empírica, que a premissa segundo a qual temos pouco tempo não é verdadeira. Para isso, ela recorre a dois tipos de pesquisa. A primeira é feita pelo governo americano. Há 40 anos ele faz um estudo chamado Pesquisa sobre Uso do Tempo (Atus, na sigla em inglês). A outra fonte são universidades que fazem o mesmo tipo de levantamento. Em geral, os métodos são parecidos. Milhares de participantes mantêm um diário do que fazem a cada hora – como o sistema de cobrança de horas de advogados. É comum os relatórios chegarem com registros que, somados, formam um dia de 28 ou 29 horas. A conclusão é simples: achamos que gastamos mais horas do que realmente gastamos nas atividades do dia a dia.

Daniela Mercury (Foto: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA)
Essa conclusão é reforçada quando a cotejamos com outras estatísticas. Elas não estão disponíveis para o Brasil, mas nosso comportamento não está tão distante do americano. NosEstados Unidos, o sono continua durando em média oito horas por noite, como há 40 anos. Mesmo mães de crianças com idade abaixo de 6 anos dormem entre 8h6min e 8h31min. O Centro de Políticas para Trabalho e Vida dos Estados Unidos diz que apenas 1% da população tem trabalhos de carga extrema – como são chamados os empregos que demandam mais de 60 horas de trabalho por semana. Em média, o americano que tem filhos, mesmo reclamando de sobrecarga, trabalha tanto quanto o personagem da série dos anos 1940 Papai sabe tudo(aquele que chegava cedo em casa, jogava o chapéu no mancebo e dizia: “Querida, cheguei!”) – entre 35 e 43 horas por semana. Dados da Universidade de Maryland, que faz o mesmo levantamento há 20 anos, mostram que aqueles que dizem trabalhar entre 60 e 69 horas por semana trabalham, na verdade, cerca de 53 horas. Quem diz ficar entre 70 e 80 horas na labuta raramente chega ao teto das 60 horas.

Dado que temos mais tempo do que pensamos, como aproveitá-lo melhor? Como fugir da armadilha da lista de tarefas que transforma os momentos de lazer em obrigação? A resposta de Laura Vanderkam está no título de seu livro: 168 horas. O número é o produto das 24 horas do dia pelos sete dias da semana. Este é seu ovo de Colombo: Laura sugere que planejemos a semana, não o dia. Em vez de uma lista rígida de afazeres cronometrados, teremos um elenco de prioridades que podem ser espalhados, maleavelmente, ao longo de sete dias. Numa lista rígida de tarefas, ficamos frustrados quando não conseguimos realizar uma. Num cronograma flexível, temos os seis dias restantes da semana para acomodar o que ainda não foi feito. Dito assim parece simples. Na prática, montar uma estratégia de bom uso do tempo exige reflexão, coragem e autoconhecimento. Os passos abaixo, baseados nos princípios do livro de Laura Vanderkam(leia no quadro abaixo), ajudam a fazer isso.

Os passos de Laura Vanderkam (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
1. MUDE SUA PERCEPÇÃO DO TEMPO
Por que mães que dormem oito horas alegam mal dormir seis? Por que afirmamos trabalhar mais do que de fato fazemos? Uma resposta fácil seria dizer que mentimos. Uma explicação mais sofisticada tem a ver com nossa percepção do tempo. Atividades que nos deixam aborrecidos, mesmo que rápidas, dão a impressão de durar mais tempo do que duram. Outro motivo comum é que a preocupação com alguns tipos de tarefa, como trabalho e estudo, produz a sensação de não estarmos disponíveis para outras atividades. Podemos não gastar tempo objetivamente, mas ocupamos mais espaço mental do que gostaríamos. “O problema é não tirar o pensamento das ações que vieram antes”, diz


Claudia Baptista de Souza, sacerdotisa zen-budista conhecida como Monja Coen, da tradição Soto Shu – Zen-Budismo. “Quem vive assim não consegue estar por inteiro nas coisas.”

Essa percepção errônea leva a altos níveis de estresse. Ele é consequência não apenas do excesso de trabalho, mas da sensação de que temos tarefas demais a cumprir. No ano passado, 77% dos americanos economicamente ativos disseram sentir sintomas físicos causados pelo cansaço. Desse grupo, 48% afirmam que o estresse no trabalho vem aumentando a cada ano. Os dados são da Associação Americana de Psicologia. Um levantamento feito pelo Conselho de Segurança Nacional dos EUA constatou que as companhias chegam a gastar US$ 300 bilhões por ano com problemas de saúde relacionados a estresse. No Brasil, o cenário não é muito diferente.

Marcio Atalla (Foto: Na lata)
Como mudar essa percepção que atrapalha e envenena? Laura Vanderkam sugere fazer uma lista com as tarefas que efetivamente realizamos ao longo do dia. O.k., como os outros métodos de gestão do tempo, esse também começa com uma lista – a parte chata. Seu objetivo não é criar tarefas posteriores. É identificar o que nos faz perder tempo (eu própria constatei isso como conto aqui). É inacreditável a quantidade de coisas inúteis que fazemos ao longo do dia. Existem também coisas necessárias, mas que poderíamos terceirizar. Com a lista em mãos, estamos prontos para passar ao segundo passo – o desapego.
a mensagem 770 tempo (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
2. LIVRE-SE DO QUE NÃO É ESSENCIAL E TERCEIRIZE O QUE PUDER
A rotina do preparador físico Marcio Atalla, colunista de ÉPOCA e consultor do quadro “Medida certa”, do programa Fantástico, é cheia de compromissos. Ele tem uma entrada diária numa rádio, atende clientes em sua clínica em São Paulo, escreve para seu blog e para ÉPOCA. Exercita-se todos os dias e, na fase de gravações doFantástico, acompanha seus tutelados todos os dias. Fui entrevistá-lo num dia da semana, no meio da tarde. Atalla já se exercitara, jogara futebol com os sobrinhos (que tinham dormido na casa dele), fizera o boletim no rádio e passara duas horas com o ex-jogador Ronaldo. Seu dia estava longe de acabar, mas ele parecia ter o tempo todo para mim.


Qual o segredo de Atalla? Há vários. Entre eles se destaca a habilidade de excluir – ou terceirizar – pontos de sua agenda. “Abro mão de muita coisa”, diz ele. “Sou convidado para inúmeros eventos todas as semanas. Digo não para a maioria. Não se pode ter tudo. Sem foco, não conseguiria dar conta de tanta coisa.”


Mesmo quem é especialista em gerir bem o tempo, como executivos de grandes empresas, enfrenta dificuldade em abrir mão de atividades. “É necessário treino para limar o que não é importante. É quase uma arte”, diz Sergio Averbach, presidente da consultoria americana Korn/Ferry International. “Conseguir fazer isso é o que distingue as pessoas ocupadas das eficientes. E as eficientes das eficazes.”

Monja Coen (Foto: Na lata)
As primeiras tarefas que devem ser tiradas da lista são aquelas que constituem pura e simples perda de tempo, como identificamos na lista do primeiro tópico. Existem, no entanto, coisas que não precisamos fazer ou podemos pagar para não fazer. Se você mora sozinho e lavar a própria roupa toma muito tempo de sua semana, não encare os honorários da lavanderia como um gasto inútil. Eles são um investimento. Com o dinheiro, você compra algo importantíssimo para você – mais tempo.

3. DEFINA (COM SINCERIDADE) O QUE É IMPORTANTE PARA VOCÊ
Eleger prioridades não é uma tarefa simples. Ao contrário. É a parte mais complexa da gestão de tempo. A boa lista de prioridades exige, sobretudo, aquele tipo de sinceridade que não se tem nem mesmo com o espelho. “É um exercício de autoconhecimento e humildade”, disse Laura Vanderkam a ÉPOCA. “A dificuldade em eleger prioridades e se desfazer do que não é importante tem a ver com assumir responsabilidades sobre a própria vida.”


No ano passado, o consultor Averbach foi convidado por nove presidentes de grandes empresas do Brasil para montar uma apresentação com dicas de organização. O primeiro ponto de seu método era: cada um deveria aprender a relacionar o que era importante e o que não era. Essas últimas tarefas podem ser descartadas. “Essa é uma etapa em que as pessoas têm muita dificuldade”, diz. Dentro da lista do que é importante, deve-se separar o que é urgente. O método de Averbach consiste em intercalar as duas coisas. É importante – mas não urgente – ler um livro de um autor cuja obra completa ambicionamos conhecer ou estudar uma peça de piano que sonhamos tocar com a precisão de virtuoses. “Geralmente, são essas atividades que nos dão fôlego para seguir adiante”, afirma. “A meta sempre é aumentar o tempo usado para as coisas realmente importantes e investir cada vez menos horas nas urgentes.” O exercício de sinceridade inclui aplicar esse conceito até a coisas como a criação dos filhos. Um pai ou mãe nunca lê para os filhos porque não tem tempo ou porque não gosta dessa tarefa? Se for a segunda alternativa, é melhor assumir. Há muitas outras formas de se mostrar um bom pai ou uma boa mãe.

Sergio Averbach (Foto: Camila Fontana/ÉPOCA)
Claro que, para a maioria das pessoas, passar o tempo com a família está na lista das coisas “importantes” – as que brigam com as “urgentes”, muitas vezes compromissos profissionais. A história do escritor australiano Nigel Marsh, pai de quatro filhos, ilustra essa briga. No Dia dos Pais, as crianças chegavam em casa com cartões: “Meu pai é meu herói”. “Meu pai é meu melhor amigo”. “Meu pai é o melhor pai do mundo”. Um dia, seu caçula, de 6 anos, entregou um cartão que dizia: “Meu pai é ocupado e baixinho”. Esses dois últimos atributos deram o nome ao livro que Marsh escreveu sobre o balanço entre vida profissional e pessoal. Nele, Marsh afirma que para algumas profissões é simplesmente impossível ter um equilíbrio entre as duas áreas. Essa possibilidade existe em muitas, mas somente se impusermos condições que respeitem esse equilíbrio, assumindo a possibilidade de mudar de emprego se isso não ocorrer.

“Concluí que trabalhava demais para ganhar muito, para comprar coisas de que não precisava, para agradar a gente de quem não gostava”, disse Marsh a ÉPOCA. Depois do ano sabático que tirou para escrever o livro, ele assumiu o cargo de presidente da agência de publicidade Young & Rubicam – um posto de comando bastante atribulado. Marsh diz que não baixou a guarda quanto aos horários que faria, compromissos que recusaria e qualquer tipo de atividade que não fosse prioridade e pusesse em risco sua meta de ter uma vida mais equilibrada. “Algo inesperado ocorreu. Em vez de parecer um executivo excêntrico, virei um profissional melhor e fui valorizado por isso”, diz. Hoje, ele tem a própria empresa. Na primeira vez que nos falamos, no início de dezembro, estava em Roma com a família. Voltamos a conversar em janeiro, quando ele estava com a mulher e os quatro filhos conhecendo as obras de Gaudí, em Barcelona, e conversando comigo sobre trabalho.

4. LIVRE-SE DA LISTA – E PARE DE SE PREOCUPAR COM O TEMPO 
Um dos clássicos da literatura japonesa, a história do samurai Miyamoto Musashi (o criador do tratado sobre artes marciais Livro dos cinco anéis), descreve uma cena em que, ao chegar a uma vila, Musashi é atacado por 25 homens armados. Ele deixa todos no chão. Questionado sobre como conseguira derrotar tantos ao mesmo tempo, ele responde: “Lutei com um de cada vez”. Essa passagem ilustra um ensinamento do budismo – cuidar de uma atividade por vez, com atenção. É o estado chamado de presença absoluta pelos seguidores dessa filosofia. “Nele, fazemos tudo com mais prazer, mais rápido e bem feito”, diz a Monja Coen. “Estar por completo onde a vida acontece é uma forma de meditação.”
Chegou o momento de se livrar da lista. Já identificamos o que é inútil. Já terceirizamos algumas das coisas que são apenas urgentes. O passo, agora, é colocar o que é realmente importante na lista de atividades da semana – sem definir um dia e horário que torne tudo uma obrigação. Assim, teremos calma para estar nessas atividades “por inteiro”.

O controle das horas através dos tempos (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
A cantora Daniela Mercury é conhecida entre seus amigos como “dínamo”, de tão ativa. Daniela é mãe de cinco filhos (a mais nova tem 3 anos), divide-se entre uma casa em São Paulo e outra em Salvador. Casada com um empresário, acompanha o marido em eventos importantes, ao mesmo tempo que cuida de sua produtora, de sua gravadora e de todos os detalhes de seus shows e do trio elétrico que pilota no Carnaval de Salvador. “Quando acordo, tenho na cabeça o que tem de acontecer naquele dia”, diz ela. “Amo tudo o que faço. Mesmo o que parece burocrático no meu dia tem uma finalidade apaixonante. Por isso não preciso carregar listas.” Como diz Caetano Veloso na música “Oração ao tempo”, o fundamental em relação ao tempo não é domá-lo, mas entrar em acordo com ele. Coisa que Atalla, Nigel e Daniela aprenderam a fazer. E você?
Revista Época

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