07/05/2013

Seis respostas sobre a rocha que substitui o petróleo


LUZ NO ASSUNTO Extração de gás de xisto na Pensilvânia, nos EUA. O gás é uma fonte de energia abundante – mas é preciso esclarecer seu efeito nas reservas subterrâneas de água (Foto: Les Stone/Corbis)Num diálogo memorável do filme Sangue negro, de 2007, o protagonista Daniel Plainview – um fictício magnata do petróleo – explica como roubara a riqueza subterrânea de um vizinho. Ao extrair o petróleo sob seu terreno, o milionário sugara também o que estava sob a área ao lado. “Não sobrou nada. Meu canudinho bebeu seu milk-shake”, diz Plainview, sadicamente, a sua vítima. A metáfora com sorvete ilustra bem a fome atual por energia. Desde o século XIX, a economia global devora combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural, muito mais rapidamente do que eles se formam. Eis que, nos anos 1990, um magnata do petróleo da vida real, o texano George Mitchell, mudou isso. Ele descobriu como buscar o milk-shake num ponto onde as petrolíferas não procuravam.

Mitchell mostrou como extrair, com lucro, o gás combustível ainda preso em microbolhas nas rochas, inacessível às sondas e brocas comuns da indústria do petróleo. É o mesmo gás natural usado em casas, veículos e indústrias, menos poluente que o petróleo e o carvão. Em 2013, o governo brasileiro decidiu experimentar a novidade. Marcou para outubro o primeiro leilão de áreas para a explorar essa fonte de gás natural.


A rocha que prende gás e óleo recebe o nome genérico de xisto. De uma fonte de energia inexpressiva na década passada, ela hoje responde por 8% da eletricidade gerada nos Estados Unidos. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), poderá suprir 8% da necessidade global a partir de 2035. Essa fonte revolucionária de energia é alvo de duas acusações: contaminar a água e atrasar as pesquisas em fontes limpas de energia. Eis o que está em jogo:

1. Que pedra é essa?
Xisto é o nome genérico para vários tipos de rocha que se formam em lâminas. Tem interesse econômico principalmente por causa do gás natural, preso em pequenas bolhas. Como outros combustíveis fósseis, o gás existente hoje começou a se formar 300 milhões de anos atrás, a partir da decomposição de plantas e animais. Nos Estados Unidos, havia testes para extrair esse gás desde 1821, mas a operação era cara demais. Desde os anos 1990, isso mudou.


Outra forma de apresentação do mineral é o xisto betuminoso. Nesse caso, a rocha contém grande quantidade de óleo combustível, com as mesmas aplicações que o petróleo. É importante em alguns países, como o Canadá, mas tem menos importância global que o gás.

A extração combina, atualmente, duas técnicas. Uma consiste em quebrar as lâminas de rocha com disparos de água doce sob pressão. A água é misturada a produtos químicos, que mantêm as rachaduras abertas, mesmo diante do calor e da pressão das profundezas. Essa técnica se chama fratura hidráulica ou, em inglês, fracking. A segunda técnica, desenvolvida pelo texano Mitchell, é a perfuração horizontal. Ela permite varrer lateralmente a camada de xisto.

MEDO Cena do documentário americano Gasland. Nos EUA, em locais perto de operações de xisto,  há tanto gás concentrado em tubulações que se acende fogo na água da pia (Foto: Divulgação)
2. Onde está essa riqueza?
O xisto pode se prestar à exploração em grande parte do território brasileiro, do Acre ao Rio Grande do Sul (leia no mapa). Há extração de óleo e gás de xisto em São Mateus do Sul, noParaná. A Superintendência de Industrialização do Xisto (SIX), da Petrobras, começou a produzir em escala industrial em 1992. As áreas a ser leiloadas têm reservas maiores e mais profundas. Sua exploração acarretará maior impacto ambiental.

O gás de xisto ocorre em quase todo o planeta.China, Polônia e, suspeita-se, Rússia têm grandes reservas. A produção é crescente em países como Estados Unidos, Canadá, México,Argentina e África do Sul.

3. O que muda no mundo?
O maior exemplo do impacto dessa revolução está nos Estados Unidos. Os americanos reduziram a importação de petróleo e o uso do carvão mineral há alguns anos, graças ao xisto. Em 2009, pela primeira vez em 60 anos, o país exportou mais combustíveis fósseis e seus derivados do que importou. A projeção é que, em 2020, os EUA precisarão importar apenas 30% do petróleo que consomem, em comparação com os 60% de hoje. O país se tornará, assim, menos dependente de regiões do mundo que considera hostis ou turbulentas, como o Oriente Médio, e isso pode reduzir o poder de barganha dessas regiões. A nova oferta de gás também eleva a competitividade de setores que consomem muita energia e matérias-primas fósseis, como siderurgia, petroquímica e fertilizantes. Indústrias de vários setores vêm anunciando projetos por causa da nova fonte. O xisto poderá também tornar Europa e China menos dependentes do gás e do petróleo provenientes da Rússia e do Oriente Médio.

4. Qual o risco de extrair xisto?
Quebrar a rocha para liberar o gás pode consumir de 1 milhão a 5 milhões de litros de água em jatos de alta pressão. Apenas esse consumo já poderia ser questionado. Para piorar, a água é combinada a produtos químicos, a fim de manter o poço aberto. A mistura resultante, água ácida, não deve ser jogada em mananciais. O derrame de resíduos pode contaminar lençóis freáticos, rios, lagos e o solo (nos EUA, comunidades atribuem doenças no gado e em outras criações às operações de xisto). Há denúncias de que os poços possam se fechar em apenas seis anos e também de que a operação possa gerar pequenos tremores de terra.

Por temer os efeitos da fratura hidráulica, França, Bulgária e Estados da Alemanha, Austrália eEspanha, além de Nova York, nos EUA, baniram ou suspenderam seu uso. “O conteúdo da água e o destino correto dela ainda estão em estudo. Não se sabe o que é seguro fazer”, diz Avner Vengosh, professor de geoquímica e qualidade de água na Universidade Duke, nos EUA.

Existe o risco de escape de gás metano dos poços. Ele pode ir para a atmosfera e contribuir para o efeito estufa. Segundo os críticos, o gás pode também saturar as tubulações. Em alguns locais próximos a operações de xisto na Pensilvânia, nos EUA, é possível pôr fogo na água da torneira, dada a concentração de gás. Não foi provado de onde vem o metano nas tubulações.

O futuro dentro de uma pedra (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)
5. O Brasil é cuidadoso?
Não. Faltam planejamento e prevenção. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) diz preparar as regras necessárias, mas elas não estarão prontas até outubro, primeira data marcada para o leilão. “A técnica não é trivial, mas é largamente conhecida. Com um bom projeto e execução competente, não existirão maiores problemas”, diz o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Diante dos problemas nos EUA, a avaliação parece otimista demais. Segundo a ANP, caberá a cada Estado criar normas ambientais para explorar o xisto. Nenhum dos 16 Estados que parecem ter reservas definiu regras ou informa o que exigirá das empresas. Em São Mateus do Sul, os problemas começam a aparecer. A Promotoria de Justiça local entrou com uma ação contra a Petrobras por uma possível contaminação. Um estudo feito na Universidade de São Paulo (USP) revela excesso de poluentes atmosféricos e mercúrio no leito de um rio.

6. Como o Brasil deve explorar o xisto?
Sem pressa e com padrões de qualidade ambiciosos. Essa é uma das poucas áreas em que o Brasil pode se dar ao luxo de avançar devagar. As fontes renováveis respondem por 45% da energia brasileira, em comparação com 13% no mundo. Devemos manter esse bom índice o mais alto possível. Entre as fontes não renováveis, o país ainda tem a explorar muito gás natural convencional, mais fácil e barato que o gás de xisto. O governo deveria usar o xisto como uma meta mais alta, a fim de incentivar futuros saltos tecnológicos no setor de energia.

Superar desafios anteriores, como plantar no Cerrado ou extrair combustível do subsolo marinho, resultou em muito mais que soja e petróleo. Desses desafios nasceram gerações de empresas e profissionais bem qualificados, aptos a atuar em setores como software, engenharia, robótica, biotecnologia e meteorologia. Da mesma forma, a busca pelo gás de xisto só terá sentido se gerar, pelo caminho, profissionais e empresas competitivos globalmente. Eles deverão ser capazes de atuar em frentes fundamentais no século XXI, além do xisto, como proteção e descontaminação do solo e da água, recuperação de ecossistemas e análise geológica. As exigências para as operações no xisto têm de ser definidas antes do leilão das áreas a explorar. “É assim que conquistaremos competitividade. Temos de preparar o país para esse momento”, diz a pesquisadora Rosemarie Bone, da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A AIE sugere, num estudo publicado no ano passado, boas práticas para a explorar o xisto. As regras incluem divulgar as substâncias químicas usadas no subsolo, avaliar a disponibilidade de água para a operação, prevenir a contaminação dos mananciais, analisar o impacto e os riscos para as comunidades locais. A extração de gás e óleo do xisto tem potencial destrutivo, mas pode também gerar emprego, renda, energia e novas tecnologias.

Revista Época

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